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Estevam Dedalus é sociólogo, doutor em Ciências Sociais, professor da UEPB, músico e compositor. [email protected]

Insetos, nazistas e extraterrestres

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publicado em 13/11/2025 ás 14h24

Os entomólogos estimam que existam mais de 10 milhões de espécies de insetos no mundo. Dessas, apenas 10% foram catalogadas. São os animais mais numerosos do planeta. A quantidade de formigas em um pequeno bosque pode facilmente ultrapassar o número de habitantes de uma grande cidade.

A incrível capacidade de adaptação e reprodução dos insetos constitui sua principal virtude natural. Especula-se que as baratas sejam os únicos seres que sobreviveriam a um possível ataque nuclear. Elas vivem na Terra há mais de 300 milhões de anos e conseguem ficar sem alimento por cerca de um mês inteiro. Frequentemente desenvolvem mecanismos de autoproteção contra venenos e predadores que, às vezes, me levam a cogitar que devem possuir algum nível de consciência. Rápidas e astutas, já vi algumas fingirem de mortas sob a ameaça de uma chinelada – o que me causou estranha comoção.

No mundo civilizado, os grandes animais não representam mais nenhuma importante ameaça. Os seres humanos exterminaram boa parte deles, e outros foram mortos por causas naturais, como os dinossauros e mamutes. Por outro lado, muitas cidades sofrem com pragas de insetos, assim como parte das plantações agrícolas. Os prejuízos são gigantescos, além de doenças como dengue e malária. Se considerarmos apenas os danos causados por cupins, as cifras alcançam 10 bilhões de dólares anuais. Uma colônia de cupins é capaz por colocar, sorrateiramente, como um câncer que se alastra por um organismo sadio, uma casa inteirinha abaixo.

Outra característica importantíssima dos insetos é a capacidade de causar sensação de asco e medo em algumas pessoas. Há quem fique paralisado, trema ou grite histericamente diante de baratas. Atitude aparentemente irracional, se somada todas as diferenças físicas e intelectuais existentes entre esses pequenos animais e um ser humano. A psicologia classifica a fobia por insetos pelo nome de entomofobia; os sintomas vão de inquietude a um quadro ainda mais grave de ataque de pânico.

Zygmunt Bauman, em seu livro Modernidade e Holocausto, mostra como os judeus foram acusados de crimes nefastos e de possuírem vícios naturais e repugnantes. Os nazistas associaram à imagem dos judeus a insetos, ratos e todo tipo de imundície possível. Numa evidente tentativa de apelar à obsessão higiênica da civilização moderna. Os mesmos expedientes sociopsicológicos usados para criar nojo diante da carne crua, do cheiro de urina ou fezes humanas foram usados para tornar os judeus nauseantes e repulsivos aos alemães.

O medo que projetamos em insetos e alienígenas reflete a mesma lógica de eliminação do “impuro” e “incivilizado”. Da mesma forma que os nazistas produziram a desumanização dos judeus sob o ideal de uma sociedade “limpa” e ordenada, a repulsa dirigida a insetos e alienígenas repete esse impulso de exclusão moral, típico do pensamento moderno.

É interessante como extraterrestres também costumam ser retratados com formas de insetos pela ficção científica. Muitos deles têm antenas, olhos compostos e patas articuladas – quase sempre expelindo certo tipo de substância gosmenta. O medo de seres desconhecidos é aumentado, assim, por meio de nossa aversão a insetos. Um inteligente truque para causar mais facilmente arrepio e temor.

Recordo ainda que a ameaça de um holocausto atômico, tão viva em meados do século passado, fez surgir uma onda de filmes conhecida por big bug ou insetos gigantes. Entre eles: Them: O Mundo em Perigo, de Gordon Douglas (que ganhou o Oscar de efeitos especiais de 1954); as vespas assustadoras de The Monster From Green Hell e os famintos e não menos aterrorizantes gafanhotos de O Começo e Fim, de 1957. Para a insônia de muitos jovens e a merecida eternização dos insetos no panteão dos astros do cinema.

Talvez o que mais nos assuste nesses animais, como dizia o biólogo Edward O. Wilson, não seja o que eles são, mas o que revelam de nós mesmos.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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