João Pessoa, 30 de setembro de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Estevam Dedalus é sociólogo, doutor em Ciências Sociais, professor da UEPB, músico e compositor. [email protected]

A curva da felicidade

Comentários: 0
publicado em 30/09/2025 ás 18h12

O tempo é percebido pela mudança. Se as coisas não mudassem, não teríamos nenhuma referência que nos permitisse percebê-lo. No mundo físico, a matéria e a energia estão em constante movimento; podendo assumir diferentes formas. Essa é uma característica da realidade material. Tudo que existe muda, tudo que muda passa a ser outra coisa.

O filósofo Immanuel Kant dizia que o tempo é uma pré-condição da noção de causalidade. Isso porque ela depende, do ponto de vista fenomenológico, da percepção de “antes e depois”. Quando acendemos um fósforo, por exemplo, riscando-o na lateral da caixinha de papelão, a fricção produzirá uma chama. O ato é percebido em momentos temporalmente distintos, que compreenderão o atrito e o fogo.

É no corpo, porém, que notamos mais nitidamente a passagem do tempo. Nas transições do caminho que nos leva da infância à fase adulta, ao envelhecimento e à morte. Somos antes de tudo um corpo, do qual a consciência é um produto.

Por mais inevitável que seja a mudança, nem sempre estamos em condições de aceitá-las com naturalidade. Arnaldo Antunes, aborda essa experiência na canção Não Vou me Adaptar. O eu lírico reflete sobre não ser mais criança e o desamparo da vida adulta: Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia/ Eu não encho mais a casa de alegria/ Os anos se passaram enquanto eu dormia/ E quem eu queria bem me esquecia…

Noutra estrofe, expressa o assombro de se ver envelhecido no espelho: Eu não tenho mais a cara que eu tinha/No espelho essa cara já não é minha/ Mas é que quando eu me toquei achei tão estranho/A minha barba estava deste tamanho…

Conclui, numa declaração de desencaixe com sua nova condição: Será que eu falei o que ninguém ouvia?/ Será que eu escutei o que ninguém dizia?/Eu não vou me adaptar, me adaptar/ Não vou!/ Não vou me adaptar!/ Eu não vou me adaptar!

O tempo e o envelhecimento possuem também uma dimensão social. A antropóloga, Mirian Goldenberg, observou como os modos de envelhecer são profundamente afetados pelas expectativas sociais e de gênero. Homens e mulheres vivenciam o envelhecimento de jeitos diferentes. Eles têm preocupação menor com a aparência, o que pode mudar quando são acometidos por alguma doença ou limitação física. Não dão muita importância as roupas, isto é, ao estilo de se vestir. Salvo, em situações sociais que os forcem a isso.

As mulheres, por outro lado, demonstram uma dificuldade maior com os traços visíveis do envelhecimento. O aparecimento de rugas, os cabelos brancos, a flacidez e a gordura são causas de desconforto; levando a cuidados com a pele e aos procedimentos estéticos. As pesquisas de Goldenberg, revelam que o modo de se vestir é afetado, criando nas mulheres a busca por adequação social. As roupas funcionam assim como marcadores sociais das idades.

Elas sofrem enorme pressão social em relação à beleza – que pode ser vista como um capital. Isso implicaria num esforço emocional que muitas vezes é adoecedor. Goldenberg descobriu que aos 60 anos as mulheres declaram sentir esse peso diminuir. É o que chamamos de curva da felicidade. Uma fase em que elas se sentem mais livres e autônomas, dando menos importância as pressões sociais sobre a beleza, valorizando mais os afetos, o lazer e as amizades.

As amizades são ainda mais fundamentais para mulheres nessa fase, operando como uma rede de apoio emocional, que resulta do compartilhamento de experiências, acolhimento e segurança. São trocas sociais que ajudam a fortalecer a autoconfiança e a autoestima em relação ao corpo e ao envelhecimento. As amigas passar ser vistas como companheiras de vida.

            É um momento no qual as mulheres priorizariam o companheirismo e os interesses comuns em relação as suas vidas amorosas. Isso faz com que homens experientes e com mais profundidade emocional sejam mais valorizados por elas, no mesmo movimento de procura por conexões fortes que permitam que compartilhem suas vulnerabilidades e emoções de forma livre e transparente.

Estevam Dedalus é sociólogo, doutor em Ciências Sociais, professor da UEPB, músico e compositor.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

[ufc-fb-comments]