José Nunes
Neste período do ano, lembro do tempo que ficou no sítio, quando as árvores mudavam as folhas, os cajus, as mangas maduras se esparramavam pelo chão, os araçás amadureciam nas capoeiras, e em casa, mamãe e as meninas enfeitavam um galho de laranjeira com algodão retirado de capulhos ainda no roçado, pendurava as lembranças – caixas de fósforos cobertas com papel dourado para simbolizar o Natal.
Na bodega se falava na festa que ocorreria em Serraria entre o Natal e Ano Novo, com parques de diversões, pescarias, barracas de jogos e pingos, além do pavilhão onde aconteciam os tradicionais leilões de frango assado.
Chegado o dia do Natal, quase sempre de roupa e sapato novos, na boca da noite, caminhávamos em pequenos grupos procedentes dos sítios, parecendo formigas em filas, rumo à cidade.
Aos primeiros momentos da noite, pelos caminhos que levam à Serraria, frangotes nascendo bigode, meninas se pondo adolescentes e adolescentes se formando moças enfeitavam a paisagem rural da estrada. Como os sapatos acochavam nos pés, usavam sandálias até na entrada da cidade. Voltávamos com calombos nos pés, tangendo os cachorros que acuavam.
Tinha quem fazia algazarra, sem enxerimento. Todos íamos não apenas para o divertimento na noite de Natal e Ano Novo, mas também para a contemplação da Sabedoria e da Luz da imensidão do Criador que sabíamos exaltadas nas palavras do padre durante a Missa campal. Todos nos alegrávamos vendo o presépio com as cenas do nascimento de Jesus no interior da Igreja, representando a humanidade de Deus.
Gestos de candura e pureza dessa gente vinham dessas cenas que hoje recordo com profundo e prolongado sentimento de gratidão, vendo como uma constelação de luzes que alimenta meus dias.
Serraria ficava em festa durante oito dias. Na noite de Natal, começando ao final do dia, os parques de diversões paravam na hora da Missa do Galo. Depois retornava aos folguedos com divertimentos até o dia amanhecer.
Ao quebrar da barra, retornávamos empoeirados e cansados, alguns passavam aos afazeres do sítio, como cuidar dos animais, que não poderia deixar para depois.
O pensamento de agora é para o menino que continua na manjedoura. Chegam lembranças da mãe que nos ensinou antigas cantigas que lembram esse período do ano.
No sítio onde morávamos, nossas avós cantarem para nós essa modinha pungente, agora recordada com emoção:
Nossa Senhora à beira do rio,
Lavava os paninhos do seu bento filho.
Nossa Senhora lavava
São José estendia.
O menino chorava com o frio que fazia.
A Virgem, sorrindo assim lhe dizia:
Não chore meu amor!
Isso são os orvalhos do Pai do Senhor.
O filho do rico em berço dourado
e Tu, meu menino, em palha deitado!
A senhora de 78 anos recordou esses versos que eu não os lembrava. Como também não recordava do tempo quando pela primeira presenciei as cenas do nascimento de Jesus, montadas no recanto da sala de nossa casa e na Igreja.
O tempo ficou no sítio onde nasci. Permanece comigo a casa que nossas irmãs enfeitavam com árvore e caixas de fósforos cobertas por papel celofane branco e azul, e pedaços de fitas de cores variadas. São recordações que chegam de vez em quando, e principalmente no final do ano. Boas recordações porque vivíamos sem o medo que agora nos atormenta. Sair para caminhar pelas ruas e pelas veredas dos sítios, ficou tenebroso.
O tempo mudou ou mudamos nós? Ficaram as lembranças que nos consolam e alegram.
O Menino Jesus que venerávamos naquela época, renasce a cada Natal, apesar de no coração de muitos vive a apreensão da festa que pode não começar devido o zunir das balas, vindo não se sabe de onde. A esperança é de que no ano que começa, carregue consigo paz.
Pedaços de recordações do tempo da infância chegam a todos momentos, quando se realiza um novo olhar para a realidade. Os olhares são moldados pelas mídias sociais, sem a pureza e nem a simplicidade de outrora.
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