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Uma das ideias comuns ao amor romântico é o encontro entre metades perfeitas que se encaixam formando uma unidade. A crença de que nos escapa algo, de que vivemos num estado primordial de carência, em falta, até nos conectarmos com a pessoa amada – o que garantiria a plenitude.
Essa é uma concepção que Lacan rejeita. Para ele, o amor é o que podemos chamar de um “mal-entendido necessário”. Em certo sentido, Lacan assume uma visão filosófica idealista. Nós não amamos com base no que a pessoa realmente é, mas a partir de uma representação inconsciente sobre o outro.
Dito de outra maneira: nos amamos a partir da falta e da maneira como acreditamos que essa pessoa amada a preenche. É por isso que ele vai dizer que “amar é dar o que não se tem a alguém que não quer.” A falta seria a base do amor, aquilo que nos constitui como seres desejantes. O que oferecemos uns aos outros, em nossa trágica e eterna condição de fragilidade. O amor é o momento no qual essas duas solidões, impotentes criaturas, se cruzam da forma mais profunda possível.
É uma situação em que se transferem carências e vazios, que quase sempre não gostamos de receber, mas que aceitamos por causa do amor. Geralmente não sabemos ao certo por que amamos a outra pessoa, nem o que ela quer de fato. No entanto, gostamos dela e queremos apenas prolongar essa relação pelo prazer que isso produz. Isso nos levaria a uma busca contínua por oferecer algo que compense a troca entre vazios, gerando assim um esforço pela criatividade e uma procura incansável pelo contentamento da pessoa amada.
Gosto de pensar o amor numa visão mais sociológica, que está baseada no grau de proximidade que uma relação pode alcançar, que pode ser vista como um contraponto à concepção lacaniana. Para isso, é importante deslocarmos o amor do paradigma da falta e trazê-lo para o campo da ontologia da presença e da relação. É na intimidade, nas experiências profundas, nas trocas de vazios, e, sobretudo, nos nossos preenchimentos – o que há de mais fundamental. É uma forma de ver o amor que não tem na falta o elemento central, mas naquilo que nos aproxima, no que partilhamos e construímos juntos.
Amar, dessa forma, é estabelecer um espaço de copresença, uma forma de “estar-com” (como pensava Heidegger). Nesse sentido, o amor é mais experiencial, corpóreo e relacional do que uma representação do inconsciente. Ele se funda em práticas de cuidado, na partilha de tempo e intimidade, no reconhecimento mútuo, nas trocas, nas vivências, na construção de uma intersubjetividade, num mundo comum com o outro – em uma fenomenologia da intimidade. O vínculo não é, necessariamente, da ordem do desejo e da falta, mas uma continuidade de corpos, de memórias, compartilhamentos, de ritmos e afetos, que é socialmente reforçada.
Essa ideia nos ajuda a pensar outras formas de amor, alargando a percepção sobre o tema. Por exemplo, nós amamos nossos animais de estimação, não por uma falta constitutiva, mas devido à relação de proximidade e afeto que construímos com eles. De uma forma muito estranha e inusitada, é verdade, porque não conseguimos nos comunicar com os animais através de uma linguagem simbólica como fazemos com os seres humanos. Estamos apartados pela linguagem, mas, mesmo assim, conseguimos criar um vínculo afetivo profundo. É algo mais da ordem da corporeidade, das trocas concretas de afeto, das vivências, do que qualquer suposta representação inconsciente sobre esse outro.
A sociologia de Georg Simmel pode nos oferecer uma contribuição riquíssima para essa discussão. Para o autor, a sociedade não deve ser pensada como uma estrutura fixa. Ela se explica a partir do nosso entrelaçamento com os outros sujeitos. É antes de tudo sociação (Vergesellschaftung). A sociedade existe onde indivíduos interagem entre si. Essas relações se estabelecem por vários motivos, sejam de amizade, cooperação, conflito, dominação e amor.
O amor, nesse sentido, é uma forma muito especial de sociação. Na medida em que ele cria uma união intensa, sem dissolver a nossa individualidade. O amor simmeliano é ao mesmo tempo unidade e diferença. A proximidade de tipo mais elevado, não impede, porém, que cada sujeito continue distinto. A relação amorosa envolve troca recíproca de afetos, de experiências e cuidados, capaz de produzir um novo microcosmo social. Simmel vê no amor, ainda, uma experiência que nega a função utilitária das relações sociais. Ele não é apenas para reprodução, mera representação ou status. É uma expressão da sociabilidade humana.
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