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Palmarí H. de Lucena é cronista, escritor e ativista social. Atuou em causas humanitárias no Brasil e no exterior e publica regularmente sobre cultura e memória.

A Casa Onde as Palavras Não Envelhecem

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publicado em 16/10/2025 ás 10h51

Há casas que envelhecem com o tempo — e há casas onde o tempo se torna hóspede da palavra. Na Rua Duque de Caxias, número 25, em João Pessoa, repousa uma dessas moradas raras: a Academia Paraibana de Letras. Seu casarão antigo, de janelas generosas e alma vigilante, parece feito não de tijolos, mas de vozes. São as vozes que o vento repete nos corredores — Coriolano de Medeiros, Horácio de Almeida, Celso Mariz, Ariano Suassuna — todos ainda vivos na música silenciosa das estantes.

Fundada em 14 de setembro de 1941, quando o país se equilibrava entre guerras e esperanças, a Academia nasceu do sonho de escritores que acreditavam na eternidade da palavra. Não bastava publicar livros: era preciso construir uma casa simbólica, um abrigo para o verbo, um templo laico da memória. Coriolano, seu primeiro presidente, não fundou apenas uma instituição — fundou um destino: o de fazer da Paraíba uma pátria literária.

Cada cadeira guarda um patrono, e cada novo imortal traz consigo o sopro dos que vieram antes. O fardão, verde e solene, é mais que vestimenta: é o pacto com a língua, essa matéria viva que une passado e futuro. A cada posse, é como se o idioma se renovasse; como se o português, vindo de além-mar, encontrasse aqui seu coração tropical. O lema poderia estar inscrito nas paredes, mas vibra, invisível, no ar: Ad Immortalitatem — à imortalidade que nasce das palavras.

O casarão, tombado pelo patrimônio, abriga mais que livros: abriga destinos. No Memorial Augusto dos Anjos, repousa a sombra luminosa do poeta que fez da morte um cântico. E nas tardes do Chá Acadêmico, quando a cidade desacelera e as vozes se misturam ao aroma do café e à ternura das conversas, a literatura retoma seu lugar de convivência e alegria — o lugar do encontro.

Agora, neste 23 de outubro, a Academia se abre ao país como anfitriã do Congresso Nacional de Academias de Letras. É a Paraíba que recebe o Brasil das palavras. De norte a sul, de leste a oeste, virão escritores, pensadores e sonhadores para celebrar o poder do idioma, essa casa comum que abriga todas as diferenças. Por alguns dias, João Pessoa será o coração pulsante da literatura brasileira — e o velho casarão da Duque de Caxias, seu altar.

Porque a Academia Paraibana de Letras não é apenas uma instituição: é uma metáfora da permanência. Um farol aceso em meio às pressas do mundo. Um lembrete de que a cultura é o modo mais nobre de permanecer vivo. E quando a noite cai sobre o centro histórico, e as luzes do casarão se apagam, há um rumor que não cessa — o das páginas que se voltam sozinhas, o dos versos que respiram no escuro.

É ali, entre o silêncio e a lembrança, que as palavras continuam a nascer. Porque, na Paraíba, até o tempo aprendeu a conjugar o verbo resistir.

Por Palmarí H. de Lucena

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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