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O cheiro da cachaça    

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publicado em 02/12/2025 ás 18h31
 
José Nunes
         Na literatura de José Lins do Rego sentimos todos os cheiros possíveis de um ambiente de engenho, dos banguês sendo preparados ao mel cozido em tachos quentes, menos o cheiro da cachaça. Cheiro bom, que fica no ar durante muito tempo. Esse aroma da cachaça quente saindo do alambique, odor incomparável, anda comigo.
O autor de Menino de Engenho encheu as páginas de seus livros com os aromas e sabores extraídos da cana, deixando textos que se lê como a beber uma talagada de cachaça.
Procuro na literatura de José Américo de Almeida alguma coisa das bagaceiras do Brejo, percorro a obra poética de João Cabral de Melo Neto cheia de canaviais, bagaço de cana, mas encontro pouca coisa falando da cachaça, ao contrário do que está na obra sociológica e histórica de Gilberto Freyre. Freyre faz referências a bebida que os escravos e operários de engenhos faziam da sobra da garapa, após fermentada. O poeta Drummond dizia que o verso era sua cachaça, em expressão metafórica.
Na pintura de Flávio Tavares o cheiro do mel e as pompas do imobiliário das casas-grandes se misturam com as paisagens humanas dos romances de José Lins e José Américo de Almeida, mas do que teria na poética de João Cabral ou Gilberto Freyre.
Em Morte e Vida Severina, João Cabral assim cantou: “E quando a fome chega, a cachaça é a cura, mas não cura a dor, só entorpece”
O cheiro da cachaça de minha infância vem do engenho de Chico Frazão, em Serraria, com a força que as palavras não conseguiram descrever.
O aroma da cachaça sendo destilada nos alambiques de madeira, descia branca pela torneira para encher as ancoretas. Eu observava e achava bonito o rosário do caxixe quando colocada no copo.
Meu pai tinha uma bodega, para alguns, mercearia, onde se vendia de tudo, evitando que o caboclo fosse à cidade para comprar os mantimentos de casa, do bacalhau armazenado em caixotes de madeira ao querosene, o sal e o açúcar. Todas as semanas íamos ao engenho de Chico Frazão, a uns dois quilômetros de distância, para comprar cachaça.
Oh! Que saudade que tenho do engenho, do percurso que fazia montando à égua por entre os canaviais, muitas vezes pendoados. Achava bonito o vento acoitando a cana pendoada. Percorria a bagaceira onde trabalhadores espalhavam o bagaço, olhava os cambiteiros conduzindo tropas de burros com os cambitos cheio de cana para a moenda. Mas o melhor era quando, ao pé do grande alambique de madeira, presenciava Seu Marcemino enchendo as ancoretas e o cheiro da cachaça espalhado ao derredor.
Menino não bebia cachaça, mas o cheiro ficava nas ventas. Esse cheiro da cachaça quentinha saindo do alambique, me acompanha desde a adolescência e permanece no entardecer da vida, com o mesmo aroma convidativo.
Partindo de Alagoa Nova, passando por Areia até chegar em Serraria, o Brejo paraibano sempre fabricou as melhores cachaças e a rapadura. Nos tempos passados, nos séculos XIX e XX, a região também era produtora de açúcar mascavo.
Finalizo, com estes versos de João Cabral, poeta de Pernambuco que tinha os engenhos e os canaviais como fontes de inspiração:
“Por isso, é que o bêbedo bebe:
porque triste quer ser alegre,
e bebe porque chega a demais
a alegria de que ele é capaz”.