José Nunes
As flores amarelas do pau-brasil pendiam nas passarelas da praça, as primeiras que anunciavam a chegada da primavera, espalhadas pelo chão que pouca gente observava. O dia estava morno e ligeiramente nublado, com nuvens esparsas passeando lentas. Embora o sol do meio-dia aparentasse mormaço, o frescor da sombra convidava a sentar. Ao redor da praça, o movimento de carros e o dia mormacento não conseguiam tirar a suavidade do bailado das pétalas despencando.
Eu vinha a passos sonolentos pelo bairro de Tambiá, caminhando com as lembranças dos anos de 1970, de quando morava nas proximidades da Praça da Independência. Havia acabado de descer do ônibus, após concluir a viagem com destino ao centro da cidade, um percurso de poucos quilômetros de minha casa. Ao meu lado, duas senhoras de idade avançada, tagarelas, discutiam coisas banais, a voz delas se espalhava por todo o veículo e os passageiros se entreolhavam, calados. Eu também. Somente as duas conversavam.
Mas o dia estava com um leve mormaço, desses mormaços que antecipam a chegada da primavera. Durante a viagem, eu folheava um livro, o ônibus seguia lento e a conversa das senhoras parecia sem fim. A essa altura, pensamentos intermitentes chegavam das diversas leituras de poemas de Drummond e das aulas do professor Milton Marques Júnior sobre Os Miseráveis, aos sábados, na nossa Academia Paraibana de Letras.
Aquela conversa interminável e desconexa das senhoras era a pedra no meio caminho da lotação, diferente dessas pedras imaginadas pelo poeta de Itabira. Mas, finalmente, entre solavancos do veículo e conversas intermináveis, cheguei à Praça da Independência e saltei do ônibus com um suspiro de alívio.
Muitas vezes, eu passava pela praça sem me dar conta das flores do pau-brasil, essas árvores que são o símbolo de nossa nação, e observava outras árvores e plantas que ornavam as alamedas sem me dar conta do suave perfume.
Na antevéspera da primavera, caminhando pela praça, uma jovem pega uma flor do pau-brasil, colocando na palma da mão, e, vendo que eu observava a cena, ela sorriu levemente. “Linda!” Pensei eu – Chamarei ela de Sofia -. Em passos lentos, ela seguiu calada com as flores entre os dedos. Eu segui também silencioso.
Próximo a lugares como esse, não tenho noção de quantas almas tenho. Mesmo que não mude a todo momento, mudo apenas quando contemplo a natureza, quando observo uma moça colhendo flores.
Então, Deusa das Árvores, agradecido, eu te louvo por fazer brotar a tímida alegria do verde das folhas e do amarelo destas flores do pau-brasil, tão pequenas e tão lindas, que despencam sobre nossas cabeças. Os regatos, as plantas, as flores, essas pequeninas flores atraem a atenção de Sofia. Ela me segredou isso enquanto caminhamos juntos por uns vinte metros, antes que nos desviássemos para nossos rumos:
— Acho linda a flor de caju. Lírios brancos, também.
Foi quando percebi que, realmente, ela tinha apego às pequenas flores. No mundo barulhento e opressivo, quando parecemos solitários, o perfume das flores, mesmo que seja de uma pequena flor, traz um afetuoso aviso de coisa boa.
O cronista está cansado e gasto, feito bicho vazio a buscar sentido para edificar projetos. Nesse instante, a Deusa das Árvores manda uma penca de flores, que despencam sobre nós. A moça, que caminhava perto, pega uma flor e beija as pétalas, sem querer chamar a atenção.
Começava o período de estiagem. Eu deveria ter uns dez anos e morava no sítio. Nunca esqueci o que presenciei. Uma prima tentava resgatar um pássaro que estava em árvore na beirada do açude, com o vento agitando sua saia.
Se eu fosse prefeito, plantaria flores nas praças. Muitas flores, grandes e pequenas, de todas as espécies. Rosas, orquídeas, lírios. Plantaria árvores que dessem flores, dessas miúdas para que as moças que amam as flores pudessem colher e se sentir felizes.
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