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Palmarí H. de Lucena é cronista, escritor e ativista social. Atuou em causas humanitárias no Brasil e no exterior e publica regularmente sobre cultura e memória.

As Três Estradas: Revelação, Tragédia e Liberdade

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publicado em 07/09/2025 ás 17h54

Estradas não são apenas caminhos de pedra, poeira ou asfalto. São metáforas que atravessam séculos, religam culturas e condensam destinos humanos. Entre tantas, três se destacam: a Estrada de Damasco, a estrada de Fellini em La Strada e a Estrada Sem Retrovisor, por mim criada. Cada uma revela um modo de entender a vida — pela revelação, pela tragédia, pela liberdade.

Na Estrada de Damasco, a narrativa bíblica fixa a imagem de Saulo fulminado por uma luz que o cega e o reconduz. Não há escolha: a estrada aqui é decreto divino, imposição que anula o passado e reconfigura o futuro. Ela simboliza a ruptura abrupta, a conversão como ato absoluto, em que o caminhar é interrompido por uma voz que ordena e um destino que se impõe.

No cinema de Federico Fellini, a estrada assume feições trágicas. Em La Strada (1954), Gelsomina e Zampanò arrastam suas vidas pelas margens, oferecendo espetáculos breves e sobrevivendo à sombra do circo pobre e da miséria cotidiana. Cada parada é efêmera, cada quilômetro deixa cicatrizes. O caminho não conduz à redenção, mas expõe a fragilidade humana em sua forma mais dura: a solidão final à beira-mar, onde restam apenas ecos de dor.

Já na Estrada Sem Retrovisor, o olhar se desloca para uma dimensão existencial. Não há raios fulminantes nem tragédias inevitáveis. Há o sopro vital que impulsiona adiante, sem retrovisores que aprisionem no passado. O futuro não é missão imposta, mas promessa aberta. Cada curva é mistério, cada descida um recomeço, cada encontro um mapa invisível de afetos. É a estrada como aprendizagem contínua, aonde o sentido não vem de fora, mas da própria cadência do caminhar.

Colocadas lado a lado, as três estradas compõem um tríptico da experiência humana. Damasco representa a revelação imposta, Fellini traduz a tragédia inevitável, e a minha afirma a liberdade do presente. Três visões distintas, três destinos entrelaçados pela mesma convicção: ninguém retorna o mesmo depois de atravessar a estrada.

E talvez seja justamente isso que nos une a todas as estradas: a certeza de que elas não terminam quando os marcos quilométricos se apagam ou quando o horizonte parece distante demais. Estradas se prolongam dentro de nós, reinventando-se em memórias, cicatrizes e esperanças. Algumas iluminam como relâmpagos, outras ferem como pedras, outras convidam ao passo leve da confiança. Mas todas guardam uma lição silenciosa: a vida só se revela em movimento. E cada um de nós, viajante de um tempo breve, descobre no chão que se abre adiante não apenas um destino, mas a poesia secreta de existir.

Por Palmarí H. de Lucena

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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