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O nome de Aldo Parisot raramente aparece nas atas formais do governo da Paraíba nos anos 1980 e 1990. Não há decreto com sua assinatura nem portaria que o transforme em agente público. E ainda assim, para quem observa com atenção a trajetória da Orquestra Sinfônica da Paraíba (OSPB) durante aquele período, sua presença é inegável — não como gestor, mas como ideia.
Parisot, nascido em Natal em 1920 e radicado nos Estados Unidos, construiu fama internacional não a partir de um gabinete no Brasil, mas de uma sala de aula em Yale. Durante mais de meio século, formou gerações inteiras de violoncelistas que ocupariam cadeiras em orquestras da Europa, das Américas e da Ásia. Seu gênio não residia apenas na performance, mas na pedagogia: não formava instrumentistas, formava consciências musicais.
Foi isso que chegou à Paraíba.
Nos governos de Tarcísio Burity (1979–83 e 1991–94), a cultura foi tratada menos como ornamento e mais como infraestrutura. Burity compreendia algo que a política local raramente admite: orquestras não se criam por decreto. Nascem da educação técnica, da disciplina, da continuidade institucional e da abertura ao mundo. É nesse contexto que Aldo Parisot se insere — não como burocrata, mas como conselheiro intelectual e referência de excelência.
Parisot não tinha gabinete em João Pessoa. Sua influência não circulava por memorandos. Deslizava por reuniões, orientações, trocas de ideias e, sobretudo, por exemplo. Falava de formação, não de eventos. De técnica, não de prestígio. De repertório, não de homenagens. Para ele, uma orquestra estadual não deveria pensar pequeno apenas porque se encontrava longe dos grandes centros. Excelência, afirmava, não se importa. Se constrói.
A OSPB, fundada em 1946, vivia naquele momento processo de redefinição. O objetivo não era apenas mantê-la ativa, mas dotá-la de ambição cultural. Não bastava executar concertos; era preciso formar público, elevar padrões e inscrever a orquestra no tempo longo da cultura.
É aí que Parisot se torna decisivo.
Sua presença representava algo incomum na vida pública brasileira: a disposição de um governo em buscar legitimidade não na política, mas no saber. Ao aproximar-se de Parisot, a Paraíba afirmava que música merecia o mesmo rigor com que se trata engenharia ou medicina. Cultura deixava de ser programação para se tornar política educacional.
O resultado não foi um “projeto Parisot” visível, inaugurado com placas. Foi uma mudança de expectativas. Uma transformação lenta, orgânica, perceptível na sonoridade do naipe de cordas, na seriedade do estudo, na ousadia da programação. O impacto não se expressou em slogans, mas em hábitos.
Tivemos o privilégio de conhecê-lo pessoalmente após um concerto no Carnegie Hall, em Nova York. Acompanhado de Risoleta e Córdula, conversamos longamente com o maestro sobre a Paraíba — e foi então que se revelou algo mais profundo que a reverência institucional: o afeto verdadeiro.
Parisot falava da Orquestra Sinfônica da Paraíba não como quem recita obrigações protocolares, mas como alguém que se refere a uma casa distante onde se viveu parte da própria vida. Havia em sua voz não nostalgia, mas pertencimento. Ele queria saber de repertório, de formação de músicos, do futuro da orquestra como quem pergunta por parentes próximos.
Naquele encontro breve e marcante, compreendemos que sua ligação com a Paraíba não era administrativa, mas emocional. Não se tratava de títulos nem de funções formais — era identidade. Um laço que resistia à distância e ao tempo, como resistem apenas as amizades verdadeiras e as fidelidades silenciosas.
Parisot não regia a OSPB, mas afinava seus critérios.
Sua influência chegou pela circulação de alunos, professores convidados, intercâmbios internacionais e, sobretudo, por uma ética artística exigente. Um mestre distante tornava-se força presente não pela proximidade física, mas pela autoridade intelectual.
Há algo silenciosamente revolucionário nisso.
No Brasil, a cultura costuma ser tratada como adereço do poder, não como infraestrutura civilizatória. A aproximação entre Burity e Parisot, nesse ponto, rompeu a lógica habitual. A Paraíba buscou fora para pensar dentro. Usou o mundo como espelho para se enxergar melhor.
Parisot jamais reivindicou protagonismo na história musical do Estado. Não colecionou cerimônias nem discursos. Mas alterou a arquitetura invisível de uma instituição que permanece ativa e respeitada.
Quando morreu em Nova York, em 2018, a notícia atravessou o Brasil sem grandes rituais públicos. Ainda assim, entre músicos e professores, seu nome permanece como aquilo que governos raramente são: referência.
O legado mais profundo não se anuncia.
Ecoa.
Hoje, quando a Orquestra Sinfônica da Paraíba sustenta uma grande frase musical, equilibra conflitos harmônicos ou cruza Bach com Cláudio Santoro, ela fala — sem saber — com uma entonação aprendida longe de casa.
Parisot nunca pertenceu formalmente à Paraíba.
Mas a Paraíba, decididamente, pertence um pouco a ele.
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BOLETIM DA REDAÇÃO - 03/12/2025





