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O teatro paraibano do século XX não nasceu de improviso, mas de gestos persistentes de resistência e invenção. Ainda em 1944, o professor Afonso Pereira fundava o Teatro do Estudante da Paraíba (TEP), criando um espaço para que jovens atores descobrissem a cena e dessem seus primeiros passos em direção a uma dramaturgia local. Foi o TEP que, em 1956, levou ao palco do Teatro Santa Roza a peça Beata Maria do Egito, de Raquel de Queiroz, numa montagem histórica que contou com a participação de um jovem Paulo Pontes como orador.
Na década de 1950, a cidade de João Pessoa vivia a efervescência cultural da chamada Geração 59. O Santa Roza, inaugurado em 1889 e já consolidado como um dos principais palcos do Nordeste, tornou-se palco de experimentação. Ali surgiram nomes que marcariam época: o diretor Ruy Eloy, o cineasta e sonoplasta Linduarte Noronha, e, sobretudo, jovens dramaturgos como Vanildo Brito, que ousaram romper o provincianismo com obras de forte carga poética e simbólica.
Em 1959, o Santa Roza recebeu a estreia de A Serpente Alada, poema dramático de Vanildo Brito, com ilustrações de Raul Córdula. A montagem, dirigida por Ruy Eloy, contou com Vanildo no elenco, ao lado de José Bezerra Cavalcanti e da atriz Neyde Silva, figura central da cena paraibana. A sonoplastia de Linduarte Noronha acrescentava modernidade ao espetáculo, que foi registrado pela imprensa como um acontecimento. A serpente, metáfora de transformação, parecia simbolizar a própria cultura paraibana que, enraizada na província, aspirava às alturas da universalidade.
As atrizes tiveram papel decisivo nesse processo. Cecília Farias, Maria de Lourdes Monteiro, Rute Azevedo, Neyde Silva e a jovem Zezita Matos enfrentaram palcos pouco acolhedores, preconceitos sociais e carência de recursos para dignificar a arte da interpretação. Sem elas, a cena não teria respirado com a mesma intensidade.
Outras peças de Vanildo, como A Rebelião dos Abandonados, também subiram ao palco no fim da década, reforçando a ousadia de uma dramaturgia local que dialogava com mitos, mas não perdia a dimensão crítica. Esse movimento se entrelaçava com a literatura e o cinema modernista, construindo uma atmosfera de efervescência que renovava a identidade cultural da Paraíba.
Hoje, ao lembrar dessa trajetória, é impossível não traçar paralelos com o presente. As serpentes aladas continuam a voar, mas em condições adversas. Elas se erguem em pequenos teatros de bairro, workshops improvisados, salões comunitários e até sob lonas de circo, onde a serragem divide espaço com o brilho da imaginação. Os herdeiros de Vanildo, Afonso Pereira e das atrizes pioneiras são dramaturgos, coletivos, professores e grupos independentes que mantêm viva a chama do risco e da experimentação, apesar da falta de recursos e do esquecimento das políticas públicas.
Se nos anos 1950 uma geração ousou afirmar-se num palco histórico, hoje cabe a nós reconhecer e apoiar aqueles que, mesmo na precariedade, ainda insistem em voar. Porque o teatro, quando se conforma em rastejar, deixa de ser arte e perde sua função de sonho, crítica e transformação. E um povo que esquece como fazer voar suas serpentes aladas esquece também a arte maior de sonhar.
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