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Estevam Dedalus é sociólogo, doutor em Ciências Sociais, professor da UEPB, músico e compositor. [email protected]

Eu e a Ciência

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publicado em 27/10/2025 ás 10h13

Quando criança eu tinha verdadeira fascinação pela ciência. Meu pai se via periodicamente forçado a comprar revistas e enciclopédias científicas. Essas publicações ganhavam edições inéditas todo mês, que eram vendidas em bancas de jornal. Cada novo exemplar me deixava exultante.

Lembro que entre as leituras mais prazerosas estavam os temas de história natural e astronomia. Tinha também nessa época admiração pela literatura de Júlio Verne. Passei rapidamente a colecionar réplicas de fósseis de dinossauros e a estudar mapas celestiais. As visitas quase semanais ao meu avô renderam noites inesquecíveis de observações astronômicas. Catalogávamos estrelas. Nomeei quase uma centúria delas. Às vezes bisbilhotávamos a vizinhança com nosso telescópio, mas sempre que nos flagravam dizíamos que se tratava de observação científica de muito valor – assim como fazem os antropólogos quando acusados de fofoqueiros. Era bastante divertido. Acho que cresceu aí minha atração pela ciência.

Com o passar dos anos meus interesses mudaram radicalmente. Aumentou a simpatia pelos estudos sociais e políticos. Descobri a Filosofia. Fiquei encantado. Não demorou muito para surgir uma curiosidade especial por questões relativas à teoria do conhecimento. Isto contribuiu para a formação de um sujeito cético e racionalista, impossibilitado de aceitar qualquer argumento sem provas convincentes.

As questões relativas à objetividade do conhecimento são de grande importância não só para a ciência, mas também para a vida humana. Já dizia Sócrates: “as pessoas agem de acordo com o que acreditam ser a verdade”. Mas não significa que saibam o que ela é. O verdadeiro conhecimento seria assim um caminho para a virtude. O problema é que nunca estamos convencidos plenamente se conhecemos a verdade ou se possuímos apenas uma simples opinião sobre as coisas. Apesar das incertezas, somos obrigados a tomar decisões a todo momento com base em nossas crenças.

Imaginemos que caminhando por uma rua movimentada mexamos a cabeça em direção à calçada do outro lado. De acordo com a perspectiva, veremos pequenos transeuntes, quase minúsculos, desfilarem seus corpos sobre o concreto. Dependendo da intensidade e da incidência da luz, confundiremos as cores. Um homem, normalmente branco, parecerá azul, e as dificuldades apenas aumentarão se o observador sofrer de icterícia ou daltonismo.

Essas são situações diárias, comuns a qualquer pessoa. Mas, em geral, para nossa felicidade, tais ilusões não costumam provocar pânico coletivo. Na vida prática as encaramos com naturalidade.

A ciência desfruta de relevante prestígio nas sociedades contemporâneas. Não é à toa. Seus efeitos podem ser sentidos em praticamente todos os setores da vida humana. Apesar de terríveis invenções, como as armas de destruição em massa, ou ter se demonstrado impotente diante da cura de certas doenças, bilhões de pessoas dependem diariamente das criações científicas. Não há uma grande cidade no mundo atual que prescinda de sistema de abastecimento de água e energia, de hospitais, transportes a motor, indústrias, computadores, meios de comunicação em massa, aeroportos. Além desses efeitos resultantes da técnica, existem outros de natureza ética e intelectual. Algumas descobertas científicas implicaram a destruição de certezas antes basilares.

À medida que a ciência se desenvolvia, decaía a superioridade atribuída ao seres humanos pelos sistemas metafísicos e religiosos. A nova astronomia e a nova física mudaram a sua posição no universo. Darwin ofereceu-nos uma explicação inovadora sobre o surgimento da vida, mas sem o glamour de certas cosmologias religiosas. A psicologia abriu novos caminhos para o entendimento da mente humana, descendo aos porões do inconsciente. Por fim, as ciências sociais atingiram em cheio as nossas crenças em valores absolutos e a superestimação da autonomia dos indivíduos frente aos sistemas sociais.

Duros e definitivos golpes à vaidade humana.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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