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Circunstâncias adversas podem carregar, dialeticamente, boas oportunidades. A prisão do filósofo e matemático Bertrand Russell, em 1918, devido a manifestações pacifistas contra a participação do Reino Unido na Primeira Guerra Mundial, possibilitou que ele se dedicasse durante seis meses à criação do livro Introdução à Filosofia da Matemática. Newton, por sua vez, elaborou a teoria da gravidade durante um período de quarentena que foi provocada por um surto de peste bubônica.
Uma grande oportunidade, se bem aproveitada, pode mudar radicalmente a nossa vida. Na década 1970, em busca de uma carreira nacional, Belchior foi morar em São Paulo. Sem recursos financeiros, um amigo deixou que ele morasse numa casa que estava em reforma, junto com os trabalhadores da obra. Foi uma época de bastante privação. Faltava dinheiro para as necessidades básicas, como alimentação e transporte.
A sorte começou a girar depois que Vinícius de Moraes e Toquinho apresentaram, meio por acaso, Elis Regina a Belchior durante uma gravação de estúdio. Ela tinha ouvido muitas coisas boas sobre o artista sobralense através de Fagner, seu parceiro na canção Mucuripe – que naquela ocasião já tinha sido gravada por Elis. A cantora estava à procura de músicas novas, por isso convidou Belchior para ir até a sua casa gravar algumas canções. Sua intenção era fazer um show apenas com composições de novos artistas.
Belchior revelou que “naquela altura estava absolutamente cheio do orgulho do pobre”. Ele disse, de chofre: “olha eu não posso gravar uma fita pra você, porque eu não tenho violão. Eu não tenho gravador. Eu não tenho fita. Eu não tenho casa pra morar. Não adianta a senhora me convidar até a sua casa, porque eu não tenho dinheiro pra ir de ônibus. E ela riu muito, né? E disse: então, você pode ir até a minha casa hoje. Hoje eu mando um carro ir apanhar você”. Ao que ele respondeu: “a senhora, por favor, me mande apanhar na hora do jantar”.
Para alegria de Belchior, tudo correu bem: “E aí, naturalmente, tudo aconteceu conforme os conformes. Naquela noite eu gravei absolutamente todas as músicas do Alucinação, numa fita. Ela pediu um tempinho, que ia ouvir naquele dia mesmo. Ela ria muito quando ouvia as músicas, foi até o andar de cima, ouviu as músicas… e definitivamente disse que ia gravar essas duas músicas… Como Nossos Pais e Velha Roupa Colorida”.
Outro caso muito emblemático é o da compositora Helena dos Santos, parceira de Roberto Carlos. Helena era uma mulher negra, viúva, empregada doméstica, moradora de uma favela carioca, que naturalmente tinha muita dificuldade para criar sozinha os filhos. Ela aprendeu com o marido a fazer versos e compor canções.
Durante um tempo, perambulou pelas rádios cariocas atrás de um cantor que quisesse gravar alguma de suas músicas. Helena recebeu uma enxurrada de nãos, o que, porém, não a fez desistir.
Numa ocasião mostrou a música “Na Lua Não Há” para a cantora Rogéria, que disse que não era o estilo que costumava gravar, e sugeriu que ela mostrasse a canção a Roberto Carlos, que estava no começo da carreia e em processo de gravação do álbum Splish Splash. Ele gostou, gravou, e a música foi um grande sucesso.
Certa vez, Roberto pediu a Helena uma música romântica sobre pessoas que se amam e moram em lados opostos da cidade. O detalhe curioso é que Helena recebeu o prazo de apenas duas horas para compor a canção.
A música precisava ser gravada naquele mesmo dia, às 18 horas. Ela então compôs “Do Outro Lado da Cidade” – quarta faixa do histórico álbum Roberto Carlos (1969).
Helena e Roberto acabariam se tornando grandes amigos. A amizade até rendeu um livro. Roberto gravou, ao todo, 11 músicas compostas por ela, entre1963 e 1982.
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