João Pessoa, 17 de outubro de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
É lamentável que a Paraíba — terra de José Américo, Augusto dos Anjos, José Lins do Rego, Ariano Suassuna, Hildeberto Barbosa Filho, Milton Marques, Angela Bezerra de Castro, Marilia Carneiro Arnaud, Sergio Castro Pinto e de tantos autores contemporâneos — ainda não tenha uma Bienal do Livro consolidada. Em um estado onde a literatura é quase um patrimônio genético, a ausência de um evento regular de grande porte revela um paradoxo: somos uma terra de escritores sem uma grande casa de leitores.
Em 2009, a esperança tomou forma no 1º Salão Internacional do Livro da Paraíba, idealizado e coordenado por Davi Fernandes, então Subsecretario de Cultura, com o apoio do secretário da Educação Sales Gaudêncio. O evento reuniu representantes de seis países, lançou dezenas de obras e promoveu debates, oficinas e apresentações artísticas. Foi, sem dúvida, o mais ambicioso encontro literário já realizado no estado. Por alguns dias, João Pessoa respirou cultura em estado puro: editoras universitárias, autores independentes, poetas populares e intelectuais de diversos lugares partilharam o mesmo espaço, o mesmo entusiasmo, a mesma crença no poder da palavra.
Mas o Salão foi, infelizmente, um capítulo isolado. A energia criativa que o animou não encontrou continuidade institucional. Faltou o compromisso político e administrativo de transformar aquela experiência em tradição — e o que poderia ter se tornado a Bienal da Paraíba acabou reduzido à memória de um esforço heroico, quase artesanal. A cultura, quando depende apenas da boa vontade dos seus protagonistas, é como um livro aberto ao vento: suas páginas se dispersam com o tempo.
Hoje, escritores paraibanos continuam a buscar visibilidade em outras praças. Muitos se refugiam na Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, onde são recebidos com hospitalidade e respeito. Leitores pernambucanos já se habituaram a ver, em seus corredores, mesas e estandes, nomes da literatura paraibana — veteranos e jovens — apresentando suas obras, participando de mesas-redondas e representando, com dignidade, o vigor intelectual de seu estado natal. É bonito vê-los por lá, mas é também triste constatar que precisam atravessar o Capibaribe para serem lidos.
Essa ausência de uma bienal própria não é um mero descuido logístico. É um sintoma cultural e político. A Paraíba abriga uma das mais ativas editoras universitárias do Nordeste, uma rede de poetas populares em plena efervescência, editoras independentes, coletivos literários, grupos de leitura e feiras municipais que florescem por esforço próprio em cidades como Areia, Bananeiras, Guarabira e Campina Grande. Falta apenas — e não é pouco — um projeto estadual de integração, que una esses núcleos e lhes dê expressão coletiva.
Uma Bienal do Livro não é apenas um evento. É um ato de afirmação identitária, uma vitrine de pensamento e cidadania. É onde o jovem leitor descobre o autor da sua cidade, o estudante se reconhece em histórias que falam da sua terra, e o autor encontra eco para a sua voz. É, enfim, o ponto de encontro entre o passado literário e o futuro leitor.
A Paraíba precisa reencontrar esse caminho. A Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que já foi protagonista em 2009, poderia reassumir a liderança desse projeto, em parceria com o Governo do Estado, a Fundação Espaço Cultural, as prefeituras e as academias de letras municipais. Não se trata de repetir o modelo das grandes bienais comerciais, mas de criar uma Bienal com alma paraibana, que una a literatura popular e a acadêmica, o cordel e o ensaio, o livro impresso e o digital.
Afinal, o livro continua sendo o palco silencioso de onde nascem as outras artes. E se Pernambuco tem sua Bienal, o Ceará a sua feira internacional e Alagoas o seu Salão, a Paraíba, com toda a sua história e talento, não pode permanecer muda. Está mais do que na hora de virar a página do esquecimento e escrever, enfim, o próximo capítulo da nossa cultura literária.
Por Palmarí H. de Lucena
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