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Casamos, quase sempre, com quem pertence a nossa classe social. As exceções existem, é evidente, mas elas são tão pequenas que apenas confirmam a regra. Vários fatores levam a isso. Um deles é o fato de que nosso círculo social está ligado à classe que fazemos parte. Observe que não convivemos nos mesmos lugares que os bilionários. Não estudamos nas mesmas escolas e universidades, não comemos nos mesmos restaurantes, não participamos das mesmas festas, nem somos sócios dos clubes que eles frequentam. O que sabemos sobre a existência deles, geralmente, é através dos meios de comunicação, do cinema ou dos livros de sociologia.
Historicamente, o casamento desempenha mais um papel econômico do que sexual ou afetivo. Entre os camponeses na Idade Média o matrimônio era uma necessidade vital para garantir a produtividade agrícola. Uma maior quantidade de filhos significava mais braços para trabalhar na lavoura, isto é, uma vida menos dura. O mesmo vale para os trabalhadores urbanos do mundo atual para quem o casamento é uma forma de aumentar a renda. Os custos de vida são a cada dia mais altos e a união entre duas pessoas ajuda a enfrentá-los. Alguém de classe média tem mais chance de casar com outra pessoa de classe média, reduzindo assim o risco de declínio social.
Além desses fatores de renda, existe também questões importantes de caráter cultural e educacional. O grau de educação formal é um marcador do casamento intraclasse. Indivíduos com ensino superior estão mais propensos a se casar entre si e vice-versa. Estudos, como os de Pierre Bourdieu e Arlie Russell Hochschild, mostram como se tornou menos frequente o casamento entre pessoas de classes diferentes em sociedades com alta desigualdade, porque a distância simbólica entre os grupos é bem maior. É raro vermos pedreiros se casarem com médicas ou sapateiros com doutoras em economia. Podemos observar essa dinâmica social nas plataformas de namoro. Elas reforçam essas escolhas através de algoritmos que filtram parceiros com base em renda, escolaridade, idade e estilo de vida. Isso revela, com muita clareza, a existência de um “mercado de casamento” com nuances específicas.
Pierre Bourdieu dizia que “o amor é o encontro de dois habitus compatíveis”. Em outras palavras: o amor será mais provável em situações nas quais há afinidade simbólica. Pessoas da mesma classe desfrutam de códigos sociais e valores culturais comuns, o que acaba funcionando como uma flechada do Cupido. Elas são, por isso, mais suscetíveis a entender “as mesmas piadas”, a valorizar certos tipos de lazer e ideais de vida.
Não é por acaso que muitas famílias costumam aprovar relacionamentos entre iguais e a desencorajar relações fora do círculo social, numa tentativa de manter o status. Essa lógica se expressa em julgamentos corriqueiros como um “bom partido”, o “nível da pessoa” e o “tipo de ambiente” onde se conheceram. Pensando de forma sociológica, os casamentos entre membros da mesma classe reforçam a concentração de renda e de oportunidades, na medida em que os filhos herdam não só o capital econômico, mas o capital simbólico, social e cultural de seus pais.
Nas últimas décadas, as mulheres conseguiram acessar postos de trabalho formal com maior remuneração e educação superior em ampla escala, mudando as relações no mercado de casamento. A consequência disso é que as negociações amorosas se tornaram menos desiguais, permitindo que as mulheres pudessem tomar iniciativas e ampliar suas possibilidades de escolha. Passou ser mais comum entre elas falar sobre sexo e se discutir sobre relacionamento. Em certa medida, as mulheres começaram a ter um comportamento sexual parecido com o dos homens. Segundo o sociólogo Randall Collins, “se mulheres ocupam postos que lhe dão recursos iguais ao dos homens, elas tendem a ter um comportamento sexual mais parecido com o deles; enquanto mulheres que desempenham funções que proporcionam um baixo poder econômico, especialmente mulheres que desempenham o papel de donas de casa, tendem a ter um comportamento sexual mais tradicional”.
Outra coisa curiosa e contraintuitiva é a inversão analítica proposta por Arlie Russell Hochschild sobre os homens serem mais emotivos em assuntos amorosos do que as mulheres. Culturalmente, o patriarcado atribuiu fortes traços emotivos e irracionais à psicologia feminina. Hochschild, por outro lado, afirma que as mulheres são “especialistas no amor”, pois desenvolveram uma capacidade maior de racionalizar as experiências afetivas, de avaliar seus parceiros e manter o autocontrole emocional. Ao logo dos tempos, o casamento representou mais para as mulheres, sendo um eixo de segurança econômica e emocional, enquanto, para os homens, ele teve importância menor – o que os levou a serem menos preparados pra lidar com as emoções. Se elas aprenderam através de um processo cultural a gerenciar as suas próprias emoções de modo racional e funcional, os homens foram socializados a evitá-las ou reprimi-las. Eles costumam, em consequência disso, associar emoção à fraqueza. Essa diferença fundamental explicaria, na visão de Hochschild, o porquê dos homens serem mais vulneráveis quando se apaixonam ou precisam lidar com uma rejeição.
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