João Pessoa, 14 de novembro de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Francisco Leite Duarte é advogado tributarista, auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, doutor em direitos humanos e desenvolvimento. Na Literatura, publicou os romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias (“Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas.

O que é a morte?

Comentários: 0
publicado em 14/11/2025 ás 17h10
xr:d:DAFzymZWo9U:2,j:8178945713226091696,t:23111018

Diluir-se nas águas dos oceanos. E dos rios também, dos lagos e dos açudes, riachos e córregos, mesmo os mais magrinhos. Seguir o fluxo e refluxo das marés da existência.

Compor uma maravilhada gotícula de chuva caída no deserto do Saara. Esparramada, embolar-se em outras, recompor a vida que ali se esgarçava aflita e depois, quando o Sol recompor suas foças necessárias, evaporar, zanzar pelo espaço, entrar em outra nuvenzinha e vagar, vagar, a própria plenitude em seu devir eterno.

Diluir-se nas entranhas da Terra. Penetrar suas rugas e suas cavernas, avançar pelos aclives e declives, compor-se nela, com ela, por ela, talvez uma nova complexidade, uma lagarta, talvez um gavião, um bebê sorridente, quem sabe uma ameba pequeninha.

Diluir-se em uma fagulha, habitar as labaredas do fogo e com ele dançar nas matas, pelas fornalhas, pelas oficinas, pelos engenhos, pelas coivaras, pelos canaviais, afinal o fogo é luz, é morte e vida.

Diluir-se em um átomo de carbonato de sódio, fundir-se nele, nem que, por alguma transmutação química, em breve tempo, componha a asa de uma xícara em que alguma vovó, ainda com sua camisola de dormir, toma seu café cantarolando a vida.

E assim, já não se é algo com nome e endereço, com olho e unha, com nariz e boca, com orgulho e ódio, embora seus boletos ainda estirem a língua para os seus herdeiros necessários.

E o que ficou, ficou regateando a fixação das individualidades, suas limitações e ambiguidades, suas contingências, dimensões quantificáveis e suas contradições, seus amores terrenos e suas raivas não resolvidas. Tudo isso, enfim termina, quando a entropia das finitudes desagua em sua sina necessária.

O VGBL continua intacto esperando a abertura do inventário; o anel de ouro que tanta amava, surrupiado pelo esquecimento em uma casa de penhor; os pares de sapato – três deles intactos – foram tão cobiçados que desapareceram no mesmo dia do velório.

Então, para que esse medo de morrer? Preservar a consciência individual é fantasia, é fantasia. Caia na sopa universal da existência eterna e nela dance. Não há remorsos. Pode ser um regozijo iluminado, afinal a morte apenas retira a ilusão das vaidades.

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

[ufc-fb-comments]