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Há verdades que só florescem entre ruínas. O homem inventou a virtude para disfarçar o desejo, e o pecado para justificar o prazer. Entre esses dois disfarces, vive o que chamamos de consciência — um tribunal silencioso que julga sem provas e condena por hábito.
A moral é o teatro mais longevo da humanidade. Mudam os atores, mas o roteiro é sempre o mesmo: uns fingem santidade, outros fingem arrependimento. A plateia aplaude os disfarces com mais fervor do que as verdades. A verdade, quando aparece, ofende — porque exige que o homem olhe para o espelho sem o verniz das intenções.
O inferno, dizem, é lugar de punição. Mas não há tormento maior que a lucidez. Ver com clareza é perder o consolo da ignorância. O homem que tudo entende, pouco perdoa — e o que pouco perdoa, carrega o fardo de Deus sem ter a Sua leveza.
O céu, esse conceito polido pela fé, é o refúgio dos cansados. O inferno, o espelho dos sinceros. Entre um e outro, vive o homem: dividido entre o desejo de ser puro e a necessidade de ser real.
A hipocrisia é o cimento das relações humanas. Sem ela, o mundo desabaria em caos. Porque a verdade, quando nua, assusta — e o amor, quando sincero demais, se torna impraticável. Há uma doçura no engano: é o que permite que os homens convivam. Mentem por amor, mentem por fé, mentem por piedade. E, no entanto, acreditam que mentir é o pecado.
Mas há uma diferença entre o pecado e a natureza. O pecado é escolha; a natureza, destino. A Divina Hipocrisia nasce desse abismo: do lugar onde o homem tenta ser anjo, mas ainda cheira a terra. Escrever este livro é desnudar esse teatro invisível — onde o santo e o pecador são o mesmo ator em cenas alternadas.
O homem deseja a pureza, mas teme a nudez da alma. Por isso, constrói templos para esconder o que é, e dogmas para justificar o que sente. O verdadeiro inferno não é o fogo — é o espelho. É nele que o homem se vê sem o aplauso das suas mentiras.
Que este livro seja, então, esse espelho. Não para condenar, mas para compreender. Porque, no fim, entre o céu e o inferno, o que resta é o homem — e sua divina capacidade de fingir para continuar vivendo.
Texto do Ensaio A Divina Hipocrisia de Antonia Claudino
Ilustração – ‘O Homem Desesperado’, autorretrato dop artista francês de Courbet
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"INCLUSÃO DIGITAL" - 03/11/2025