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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Falando nisso,

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publicado em 14/09/2025 ás 07h00
atualizado em 14/09/2025 ás 08h23

Assim, no momento em que ainda existimos e não ao ponto donde partimos e chegamos a esse lugar, sempre vem a notícia de que alguém já foi – até aonde não se sabe, se conseguiu erguer o projeto de vida, de transformação: seja o que for, nesse rojão de quem trabalha para sobreviver, romper com coisas definidas, a priori, não se sabe da missa um terço. Confuso, né?

Falando nisso, estávamos conversando, eu e três mulheres, duas querem ser cremadas e a terceira não deu uma palavra, como se estivesse fora dali, sonhando na esperança continuada, de quem sabe que os dias são de sol e escuridão.

Eu era pequeno e via as pessoas sendo enterradas, a terra na cara;  outras colocadas em túmulos antigos com cal e vinagre (que fazia a decomposição do corpo e reduzia os odores), destruía rapidamente os tecidos, coisas remotas, que não me assombravam. Morrer numa cidade pequena sempre foi rotina.   

Vi também cadáveres sendo levados para o cemitério dentro de redes, uma cena de cinema, com poucas pessoas acompanhando o morto, parecia o enterro esquecido do rei de Canudos. Não sei porque estou escrevendo isso.

É muita realidade nessa dinâmica da morte, com gente bem informada, sagaz, atarefada, diante de uma ´matilha fantasmática´(interpretado como um grupo de cães que não existe de fato), de querer saber se pessoa gostaria de ser cremada ou enterrada, como se a voz do morto decidisse opções outras.

Falando nisso, fosse a mais prática, como costumam dizer: “vai ser cremado”, nessa vantagem de proteger o meio ambiente.

 O que me assombra não é a coreografia, mas o que se paga para morrer, paga caro para viver, paga se caro com remédios, hospitais, planos de saúde que não valem nada  e vamos ficarmos reduzidos à tripulação de um escaler.  Uns vão de canoas, outros morrem afogados.

O que fazer com as cinzas? Uma das mulheres do segundo paragrafo, guarda até hoje a caixinha com o marido dentro e disse que não via necessidade de jogar as cinzas no mar e, quando for cremada, ela e seu marido voltarão ao pó. É o enfado da vida. Nada que eu não possa ler e traduzir.

Tantos telefonemas de bancos, golpistas, imagina se, do outro lado da linha, a pessoa, o robô perguntasse: você quer ser enterrado ou cremado e iria oferecendo planos, a prazo, no pix, no débito ou no crédito, para quem não tem onde cair morto.

Quando não formos mais um punhado de interesses, exaustos a viver com “lata d´água na cabeça”, a água prometida do Rio São Francisco, inundando o sertão e os donos do poder nos afogando e não somos mais os mesmo, pancada por pancada.

Eu não sei se quero ser cremado ou enterrado, se terei direito a vala de Mozart, (foto)  que me valha pelo que construí nessa resistência alucinada, que nos leva a conhecer o que possa ser essa mistura de exaltação e abandono.

Vida é alegria como está canção de Gilberto Gil, alegria que é necessária para a aproximação desse delírio chamado desejo, essa fome de viver mais, essa sede pela eternidade em forma humana.

Que lugar é esse tão excitante que a vida ocupa no espaço da morte? Que lugar é esse?

Kapetadas

1 – A comissão da cama aprovou uma moção de repúdio contra a segunda-feira. Saudades de Marcos Tavares.

2 – Tão misógino que acreditava que Eva tinha inventado a cobra só para ferrar Adão.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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