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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

O que ainda move o servidor público?

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publicado em 29/06/2025 ás 07h57

Não é raro ouvir que o servidor público é desmotivado, acomodado ou indiferente. Mas por trás desse rótulo injusto existe uma realidade bem mais complexa, marcada por rotinas exaustivas, recursos escassos, pressão política e uma sociedade cada vez mais exigente. A pergunta que precisa ser feita com honestidade não é por que os servidores estão desmotivados, mas o que ainda os motiva a seguir, apesar de tudo.

A motivação no setor público não pode ser medida apenas por salários ou estabilidade. Embora esses fatores sejam relevantes, o que realmente sustenta o engajamento dos servidores, dia após dia, é o senso de propósito: a sensação de que seu trabalho faz diferença, que sua entrega beneficia pessoas reais, que sua presença importa. Onde esse propósito se perde, o serviço vira peso. Onde ele é cultivado, o servidor floresce, mesmo em ambientes difíceis.

É importante reconhecer que há servidores que chegam cedo, resolvem problemas, cuidam de gente, fazem além do que foi pedido, sem receber aplausos ou bônus. E fazem isso não por obrigação, mas por acreditar que servir ao público é mais do que uma função: é uma missão. O problema é que, muitas vezes, essa motivação silenciosa não é enxergada, nem valorizada. E sem reconhecimento, até o mais comprometido começa a murchar.

Os estudos mostram que a motivação dos servidores está fortemente ligada a três fatores: autonomia para trabalhar com confiança, reconhecimento pelo que entregam e conexão com o impacto social do seu trabalho. Quando esses elementos estão presentes, o servidor se envolve, propõe melhorias e se torna um agente de transformação. Quando estão ausentes, ele se retrai, cumpre o mínimo e adota a “sobrevivência institucional” como estratégia.

É preciso também romper com a ideia de que motivar servidores é responsabilidade apenas da alta gestão. Cada líder direto, cada colega de equipe, cada ambiente de trabalho pode ser um espaço de desmotivação ou de reencantamento. Um chefe que escuta, que elogia de forma sincera, que trata com dignidade, já está promovendo motivação. Uma equipe que coopera em vez de competir, que acolhe em vez de julgar, já está fazendo diferença.

Na Paraíba, há muitas experiências silenciosas de motivação pública: escolas onde a equipe faz vaquinha para reformar uma sala; unidades de saúde onde técnicos de enfermagem acolhem gestantes com humanidade; secretarias onde estagiários são estimulados a propor ideias. Pequenos gestos mostram que o “serviço” público é feito por pessoas, e é para pessoas.

Mas também é verdade que a desmotivação tem causas legítimas. A falta de diálogo com a gestão, o excesso de burocracia sem sentido, o medo de represálias ao sugerir mudanças, a sensação de inutilidade diante de políticas públicas mal desenhadas. Tudo isso corrói, aos poucos, o vínculo entre o servidor e o propósito do cargo. E quando esse vínculo se rompe, o cidadão lá fora sente, na espera, na resposta fria, na falha do sistema.

Por isso, motivar servidores não é apenas uma questão interna. É uma urgência social. Um serviço público forte, empático e eficiente depende de profissionais que se sentem respeitados, incluídos e valorizados. Não basta cobrar produtividade se não há condições reais de trabalho. Não adianta falar em excelência se a base está adoecida.

A gestão pública que deseja inovar precisa começar pelo básico: cuidar de quem cuida. Ouvir quem está na ponta. Celebrar conquistas, mesmo as pequenas. Lembrar que todo servidor é, antes de tudo, um cidadão que escolheu servir. E que servir, com dignidade, exige mais do que técnica, exige alma.

O que move o servidor público não é apenas o contracheque no fim do mês. É a consciência de que, mesmo diante de tantos desafios, sua presença ali ainda faz diferença. E isso, quando é cultivado, transforma instituições por dentro, e transforma também a vida de quem está do lado de fora.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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