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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Poema e pandemia

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publicado em 06/06/2020 às 16h48
atualizado em 06/06/2020 às 13h55

Como lidar com o corona-vírus dentro da profilaxia do poema? O que pode o poema diante da pandemia? Sim, porque o poema se quer uma partogênese da paixão pelas coisas vitais do planeta. Paixão que pode atenuar o sofrimento desencadeado pelas patologias.

Sinto que falta poesia nesses anos de um novo milênio. Ou melhor: sempre senti falta de poesia em todas as épocas. E a poesia é uma coisa tão simples, tão natural, tão gratuita, tão humana. Uma experiência tão democrática. Uma espécie de utopia cotidiana que parece dar sentido ao itinerário imprevisível da história. Ah! A poesia é história e é também mito. Ou seja, aquele nada que é tudo, como diz Fernando Pessoa.

Quando dentro das palavras, solerte e vívida, pelo miolo das sílabas e pelo uivo dos fonemas, a poesia vai se aproximando da forma, que é o poema. A estética que contém a ética. E a linguagem, nas suas circunferências verbais, vai adquirindo uma organização especial e única. Digamos que as palavras passam a compor uma espécie de orquestra de signos, símbolos e ícones a guardar e preservar o volume inapreensível dos sentidos, o sabor, o odor e a música do mundo.

A poesia é o mundo. O poema é a palavra.

Um pássaro corta agora o tecido do vento. Essa coisa da natureza nua é a poesia que se dá e se mostra. Há os que veem e os que ignoram. Se registro, com uma pinça metafórica e o violino dos vocábulos, esse flagrante gratuito, talvez já comece a habitar a choupana do poema.

Poesia é fenômeno. Poema é fonema.

A poesia é silêncio. O poema canta…

A poesia está nas cartas de amor. Na confissão ao analista. No recolhimento da oração. Esta lá nas águas estagnadas dos açudes que secaram, na gota de sol que pinga a energia cósmica na pele das criaturas, no lodo que devassa a boca da noite escancarada sob a indiferença das estrelas. Está dentro do peito que pulsa a vontade de viver e nos interstícios sinuosos dos passos que a morte desenha para engolir o mistério de tudo.

Desses dados utilizados, desses materiais concretos e intangíveis, pode-se edificar a casa do poema. Só de tijolo a tijolo se constrói o poema. O poema se quer a Meca da poesia, o templo substantivo que abriga e afaga suas crateras e cicatrizes, suas ostras e estrias, seus magos e seus incunábulos.

Jogue uma pá de cal por entre as frinchas dos versos e cimente, com os nutrientes da dor e do espanto, as colunas de cada estrofe; faça o acabamento com a última e delicada demão, crismando a estrutura com as cores do arco-iris, e aí o poema vai brotar como um cacto selvagem, inocente e puro, em meio ao desconforto dessa civilização que agoniza.

Só o poema comporta o licor e a vacina contra o corona-vírus. Só o poema vai vencer a pandemia, com sua poesia medicinal que cura as misérias do homem e desinfecta o vazio das ruas. Só o poema sabe negociar com a morte, com o imponderável, com o desconhecido. Vamos, pois, sentir, cultivar, amar a poesia das coisas e escrever o poema do mundo.

A poesia é saúde. O poema é a salvação!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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