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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Vende-se poesia!

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publicado em 24/12/2025 ás 07h00
atualizado em 23/12/2025 ás 19h44

 

Você, como eu, leitor, deve ser abordado, vez por outra, por um qualquer, a propósito disso ou daquilo. Pode ser na rua, nas praças, nas paradas de trânsito, nos sinais, nas instituições, nos eventos, nas feiras livres, nos supermercados, nos shoppings, enfim, em todo lugar por onde caminham os signos da dita “civilização”.

Não faz muito tempo, sofri uma abordagem dessas. Estava com alguns confrades a jogar conversa fora como se diz por aí. De repente, um jovem se aproxima. Magro, alto, pálido, barbudo, cabelos longos, olhos fundos. Não era um mendigo nem um daqueles que se multiplicam nas ruas, perseguidos pela fome e pela miséria que insistem em dar as caras outra vez, nos dias nefastos por que passa o país a dormitar em “berço esplêndido”.

Pediu licença, educadamente, e me entregou um papel, tipo cartão, com as seguintes palavras:

Parcerias e Poesias por encomenda. Você gosta de ler? Se sim, gosta de poesia? Se sim, gostaria que alguém escrevesse uma poesia sobre algum tema de sua escolha? Gostaria que o escritor te fizesse uma sugestão através de um diálogo? Então chama o Direct! Insta: @dante-roo1”.

Guardei o papel, fiquei perplexo e espantado com a insólita ocorrência. Como o jovem fizesse menção de dizer qualquer coisa, educadamente o dispensei e me entreguei ao papo casual com aqueles que estavam comigo. Salvo engano, Milton Marques Júnior, Roberto Cavalcante e Luiz Augusto Paiva. Falávamos, se não me trai a memória, exatamente dos problemas da literatura em nossa terra, dos que são poetas e que se dizem poetas porque fazem versos, mas também dos que fazem versos por que são, de fato, poetas, como gosta de dizer o crítico Wilson Martins em seus recorrentes trocadilhos.

Coincidência? Casualidade? Alquimia cósmica? Determinismo? As famosas leis de atração? Eflúvios da biosfera? Sincronismo? Não sei, não sei, não sei. Talvez, mais uma dessas encenações ou performances desses artistas anônimos que procuram reduzir a vida à cena de um jogo teatral. Mas isso ou aquilo pouco importa!

Sei que o poeta pernambucano, Alberto da Cunha Melo erra, quando afirma, em várias entrevistas, que “a poesia é a antimercadoria”. Quem acerta mesmo é Marx, ao profetizar que, no mundo capitalista, o valor de uso vai se transformar em valor de troca, e que todos os bens, inclusive, os espirituais vão virar mercadoria.

Sem dúvida!

Se alguém me oferece um serviço desse tipo, certamente está conforme as leis da oferta e da procura. Certamente oferece porque há demanda, e que demanda! Fico apenas imaginando qual o significado de poesia para essas criaturas. Qual o significado de poesia para esse estranho poeta que mercadeja seu produto como se a palavra poética tivesse a dimensão de um sabonete, de um enlatado qualquer ou de alguma mágica quiromancia. Seja o fato real, seja pura mistificação.

Primeiro, penso que a poesia, como bem infungível, nunca poderia ser negociada. Até porque, de certa forma, a poesia está em todos nós, faz parte do patrimônio sensível de que todos dispõem perante a solicitação gratuita das coisas, nada mais sendo do que a luz da graça, uma dádiva espontânea da eternidade, aquele instante, raro e único, em que as harmonias do divino se incrustam na temporalidade de nossas vidas opacas.

Talvez o poema, sim, possa ser um produto ou um serviço dentro das regras do mercado. Como produto ou serviço pode ser feito, elaborado, construído, vendido etc. A poesia, não. A poesia só se sente, só se vive, dentro do mistério que comporta o inexplicável prazer poético. O poema tem, na palavra, seu limite. A poesia extrapola os dispositivos da linguagem.

Fosse o estranho e jovem poeta, poeta e comerciante, trocaria algumas palavras de seu cartão. Ninguém pode oferecer poesia a ninguém. Cada um já possui seu tanto de poesia dentro da alma, seu tanto de poesia diante da beleza.

De qualquer maneira, em que pesem a perplexidade e o espanto, ainda me parece melhor sermos abordados com certas ofertas malucas e, quem sabe, bem intencionadas, do que nos vermos diante de uma arma engatilhada, conforme sói acontecer por aí. Até como incentivo público!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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