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Estevam Dedalus
Descobri muito cedo, através de minha tia Sandra, que Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro. Essa é uma história interessante, que fala muito sobre o poder da Igreja Católica Romana e suas estratégias de dominação mais do que qualquer outra coisa.
Não há nenhuma indicação, nas Escrituras Sagradas, em relação à data do nascimento de Jesus. Por outro lado, temos muitos elementos baseados na própria Bíblia para afirmar que a data que comemoramos o Natal está errada. O primeiro ponto a considerar é que o Evangelho de Lucas diz que quando Jesus nasceu os pastores estavam cuidando dos seus rebanhos à noite. Como se trata de uma época bastante fria naquela região, temos aí um forte indício de que isso não tenha acontecido em dezembro.
É também curioso que, nesse mesmo período, César Augusto tenha estabelecido um decreto obrigando que toda a população do império se registrasse. Seguindo a mesma lógica de raciocínio, seria improvável que isso ocorresse no inverno. Muitas pessoas precisariam se deslocar por um percurso grande, demandando dias de peregrinação. Uma logística complicada que poderia criar problemas indigestos para o governo. Não é, portanto, razoável, convenhamos, que o censo tenha ocorrido em condições climáticas tão adversas.
Tudo indica que o dia 25 de dezembro passou a ser considerado como Natal a partir de uma estratégia de sincretismo religioso adotada pela Igreja Católica para coincidir com a festa do solstício de inverno, um evento muito importante para o paganismo romano. A ideia consiste basicamente em ressignificar ou adaptar práticas, símbolos e datas de outras tradições religiosas, absorvendo-as e integrando-as dentro de outra estrutura simbólica e teológica. Nesse caso, a Igreja transformou o Dies Natalis Solis Invicti (Dia do Nascimento do Sol Invicto) no “Dia do Nascimento de Cristo”.
A cristianização de festividades pagãs se mostrou historicamente muito exitosa. Ela neutralizou o paganismo, ao mesmo tempo em que incorporou muito de sua força. Vários elementos que compõem a festa natalina são de origem pagã. Um exemplo é o uso de velas que originalmente representavam o retorno gradual da luz no dia mais curto do ano, e, com o cristianismo, passou a representar a luz que Jesus trouxe ao mundo.
Não para por aqui. A árvore de Natal tem ligação direta com o paganismo, vista inicialmente como representação do inverno e da ideia do ciclo de renovação e continuidade da vida. O que seria transformado depois pela Igreja em um símbolo de esperança na vida eterna em Cristo.
O mesmo pode ser dito sobre as trocas de presentes que surgiram como uma prática da Saturnália, a celebração ao deus Saturno que também acontecia na mesma época do ano do Solstício. Como o uso de guirlandas, que para os pagãos simbolizavam a eternidade e os ciclos da natureza. Papai Noel, por sua vez, é uma de mistura de São Nicolau com figuras pagãs nórdicas. Basta lembrarmos que Odin observava a vida das pessoas por meio de seus corvos, sendo frequentemente retratado com uma barba longa, e que a ideia de trenós, renas e voo noturno são pré-cristãs.
Dentre todos os costumes natalinos de origem pagã o que mais me agrada é a ceia. A ideia de fazer um banquete para comemorar com a família e amigos o nascimento de Cristo. Temos que admitir, nesse aspecto, o bom gosto dos pagãos e a importante contribuição que as celebrações do Solstício e da Saturnália nos legaram. Essas festas eram repletas de comida, bebida e música. Elementos que foram sabiamente incorporados pelo cristianismo e que, para o nosso prazer, hoje são indissociáveis do Natal.
Como sociólogo, é impossível não pensar a ceia como um rito de integração social que funciona como um meio de reforçar a solidariedade entre os membros de nossas famílias. Não é à toa que até mesmos grupos familiares poucos religiosos, quando as condições materiais assim os permitem, costumam fazer ceias de Natal.
Em certo sentido, sem querer parecer anacrônico, trata-se de uma prática que ultrapassa o universo religioso do cristianismo. No fundo, estamos reproduzindo um antigo ritual de celebração da vida e de comunhão entre pessoas. E o melhor: com muita bebida e comida gostosa.
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BOLETIM DA REDAÇÃO - 16/12/2025