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Educador físico, psicólogo e dvogado. Especialista em Criminologia e Psicologia Criminal Investigativa. Ex-agente Especial da Polícia Federal Brasileira, sócio da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas e do Instituto Brasileiro de Justiça e Cidadania. Autor de livros sobre drogas.

Facções criminosas podem ser classificadas como terroristas?

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publicado em 18/11/2025 ás 12h22

A operação policial para combater a facção criminosa brasileira, denominada comando vermelho – CV, acontecida recentemente na cidade do Rio de Janeiro, trouxe à tona a discussão sobre a possibilidade de alterar a legislação brasileira para classificar as principais organizações criminosas atuantes no país, como terroristas. As divergências políticas ideológicas por parte dos integrantes das cúpulas dos poderes da República são muitas, e entre os especialistas desta temática também há discordâncias. Assim, tentarei contribuir com esse debate expondo não apenas minha opinião, mas principalmente alguns conceitos legais e opiniões de estudiosos deste tema.

Segundo o historiador e comentarista político Walter Laqueur, “existem centenas de definições de terrorismo.  A inexistência de um conceito amplamente aceito pela comunidade internacional e pelos estudiosos do tema significa que o terrorismo não é um fenômeno entendido da mesma forma, por todos os indivíduos, independentemente do contexto histórico, geográfico, social e político”.

O jornalista Beto Souza, da rede de comunicação CNN Brasil, em matéria publicada no dia 08 de novembro do corrente ano, escreveu o seguinte: “Do ponto de vista jurídico e prático, o terrorismo e a organização criminosa, embora compartilhem o uso da violência como traço comum, são considerados fenômenos criminais distintos. A principal separação reside na finalidade e na natureza dos atos praticados. Grupos terroristas buscam impor uma pauta política, ideológica, religiosa ou social através do medo generalizado, enquanto organizações criminosas têm um objetivo essencialmente econômico, voltado ao lucro com atividades ilícitas”.

Pode-se dizer que o escrito do citado jornalista resume a opinião da maioria dos especialistas consultados, pois estes concordam que a principal distinção entre tais grupos criminosos fundamenta-se na meta ou objetivo final. Ou seja, enquanto as facções criminosas têm como objetivo principal nas suas ações ilícitas o lucro, o acúmulo de capital, os terroristas têm como meta primária a imposição de uma ideologia, seja por razões religiosas, étnicas ou políticas, por meio do terror. Para estes, o lado financeiro fica em segundo plano, e serve principalmente para o financiamento das ações terroristas.

O contexto da legislação brasileira atual, não classifica as facções criminosas ora atuantes no país, como CV e PCC, por exemplo, como terroristas. Isto, segundo muitos juristas, acontece pelo fato que a atuação destas organizações criminosas não envolve crimes de ódio, religioso e ou ideológico, mas sim de obtenção de ganhos financeiros.

É fato que, as facções criminosas, assim como os terroristas, usam sempre de muita violência, mas os atos violentos e de demonstração de poder dessas, são direcionados especialmente contra membros de facções rivais e ou agentes públicos que dificultam ou impedem suas práticas ilegais e lucrativas, não tendo, desse modo, viés ideológico, religioso ou de ódio. Assim, pode-se dizer que, todo grupo terrorista é uma organização criminosa, mas nem toda organização criminosa pode ser caracterizada como terrorista.

Também é verdade, que as principais organizações criminosas existentes no Brasil estão agindo com estrutura e poder equivalentes a grupos terroristas, e certamente, não há como combatê-las da forma que vem acontecendo atualmente no país, ou seja, com leis brandas e interpretações judiciais que favorecem a impunidade. Se o país continuar tratando o terror provocado por estes criminosos faccionados da mesma forma que são tratados os autores de crimes comuns, a sociedade continuará sendo molestada e cada vez mais refém do crime organizado. Portanto, faz-se urgente e necessária uma mudança na legislação pátria para que tais criminosos possam ser punidos com penas maiores e que tenham menos benefícios no cumprimento destas penalidades (progressão de regime, anistia, graça, indulto, liberdade condicional etc.).

Mas, a construção desse novo texto legal pelo poder legislativo, não deve acontecer de forma açodada, como normalmente é comum no Brasil quando um fato violento e traumático acontece. É importante que seja promovido um debate mais amplo, em que representantes dos diversos segmentos sociais possam ser ouvidos. Neste leque de colaboradores devem ter voz não apenas os congressistas, mas também estudiosos desse tema, profissionais que estão na linha de frente do problema (policiais, ministério público e judiciário), bem como a sociedade civil organizada.

Contudo, apenas a mudança na legislação não será suficiente, para o enfrentamento a estas organizações criminosas e, consequentemente, a retomada dos territórios ocupados e dominados por estas, é necessária uma verdadeira força tarefa em que os atores do poder público de todas as esferas governamentais estejam engajados, participando e caminhando na mesma direção, deixando de lado as vaidades pessoais e ideologias políticas partidárias, minimizando as desconfianças recíprocas que ora existem, seja do poder judiciário com as polícias e ou ministério público, seja das próprias polícias entre si. Também é importante que além dessa melhoria da integração entre as instituições que compõem o aparelho repressor estatal, que seja reduzido o paternalismo atualmente vigente em relação aos infratores, que na maioria das vezes são vistos como vítimas da sociedade.

Ademais, acredito que para o sucesso de uma política de segurança pública no Brasil, o primeiro passo deve ser a retomada do controle dos presídios que na atualidade se encontram sob o domínio das facções criminosas. O cárcere no país hoje se constitui no principal escritório do crime organizado. O objetivo principal do encarceramento é interromper a atividade criminosa do infrator, isolando-o e ressocializando-o, mas, infelizmente, pode-se dizer que nenhuma destas metas estão sendo cumpridas com eficácia. Além disso, o poder estatal precisa atacar mortalmente o poder financeiro dos membros das facções e empreender ações para dificultar o acesso às armas de fogo pelos criminosos e retomar os territórios das comunidades que se encontram sob o jugo das facções.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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