João Pessoa, 03 de junho de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Educador físico, psicólogo e dvogado. Especialista em Criminologia e Psicologia Criminal Investigativa. Ex-agente Especial da Polícia Federal Brasileira, sócio da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas e do Instituto Brasileiro de Justiça e Cidadania. Autor de livros sobre drogas.

“Me apaixonei por um boneco” A mania dos bebês reborn

Comentários: 0
publicado em 03/06/2025 ás 07h37

A “mania dos bebês reborn” refere-se à popularização e paixão por bonecas hiper-realistas, que imitam recém-nascidos com detalhes muito realistas. Essa tendência, que começou como um hobby de artesãos, nos últimos anos evoluiu para um fenômeno cultural, social e em alguns casos pode significar um problema de saúde mental. 

Este fenômeno começou, como quase sempre acontece, nos EUA, há mais de 30 anos, e aqui no Brasil a popularidade só veio no início dos anos 2000. Mas nas últimas semanas teve mais visibilidade a partir de uma notícia divulgada na imprensa nacional, sobre um casal que está disputando na justiça a guarda de um bebê reborn, e, segundo relatou a advogada que atende uma das partes, a cliente busca regulamentar a guarda do brinquedo que adotou com o parceiro.

Com o advento das redes sociais, certos acontecimentos ou modismos antes corriqueiros e passageiros, às vezes ganham visibilidade e até mesmo preocupações desproporcionais por parte da sociedade. Mesmo assim, é importante deixar claro que fatos ou “manias” como essa podem englobar diversos aspectos, que vão desde uma simples brincadeira e hábitos de colecionadores até a busca por afeto, conforto emocional, ou mesmo questões de saúde mental, luto e ou identidade social.

Segundo afirmou o psicanalista Arnaldo Chuster, em recente entrevista a jornalista Lu Lacerda da Revista Veja: “A tendência é cada vez mais encontrarmos pessoas que estão perdendo a capacidade para pensar, por muitas razões, dentre elas, excesso de inteligência artificial, e modismos. Quando se perde a capacidade para pensar, também se perde a capacidade de sentir e de se relacionar com seres humanos. Fica mais fácil se relacionar com máquinas e coisas que não têm emoções, não perturbam, obedecem. Estamos vivendo uma era do mimetismo, um pesadelo cognitivo no qual muita gente está mergulhando facilmente”.

A meu ver, é preciso ter sensibilidade para lidar com fenômenos como este dos bebês reborn, haja vista que tais peças, como já relatado, podem ser usadas com diversas finalidades, ou seja, para algumas pessoas estes bonecos podem ser uma forma de uma mãe lidar com a perda de um bebê após um aborto, por exemplo, podendo encontrar no citado boneco uma forma de expressar suas emoções e luto. A própria prática das terapias psicológicas admite a utilização de bebês reborn por pessoas que sofreram perdas gestacionais ou infantis como um recurso terapêutico, desde que com acompanhamento profissional. E ainda deve-se acrescentar que a hiper-realidade dos bebês reborn pode evocar o desejo de maternidade ou paternidade, permitindo um treinamento de cuidados mesmo que sem os desafios de um bebê real. 

No mundo virtual que vive a sociedade contemporânea, em que as pessoas sentem uma enorme necessidade de serem vistas, de chamarem a atenção, qualquer coisa bizarra tende a viralizar. O importante é tentar ser famoso por, pelo menos, alguns minutos. Também vale tudo para aparecer e, se possível, lucrar com isto.

O fato é que, a correria desenfreada em que todos vivem na atualidade está produzindo uma avalanche de pessoas adoecidas emocionalmente, e a busca por um objeto de afeto, como os citados bonecos, pode estar por trás de contextos de solidão ou dificuldades relativas às relações sociais. Tudo na vida do ser humano, seja no aspecto físico ou psicológico emocional, é necessário equilíbrio. E em relação ao tema em discussão, a obsessão pelos bebês reborn pode sim comprometer a saúde mental, física e a vida social de algumas pessoas. 

Mas afinal, como estabelecer uma linha divisória entre o normal e o patológico em relação a este modismo dos bebês reborn? Até onde vai a brincadeira e começa o transtorno?

Talvez a resposta não seja simples como parece. Os especialistas afirmam que cada caso deve ser avaliado criteriosamente por profissionais qualificados (psicólogos ou psiquiatras), uma vez que os motivos que levam as pessoas a “adotarem” os bebês reborn são diversos, indo desde o lúdico ou o gosto por coleções, até os mais diversificados transtornos psicológicos.

Assim, naqueles casos patológicos, nos quais é identificado sofrimento mental, as motivações mais comuns para surgimento dos desvios de comportamento são: carência afetiva, insegurança crônica, baixa autoestima, medo do abandono, necessidade de se fazer notar e dificuldade de estabelecer limites entre o real e o imaginário. Adultos que foram negligenciados emocionalmente na infância tendem a repetir padrões de dependência afetiva ou autossabotagem, muitas vezes sem perceber a raiz do vazio que os acompanha. É importante acrescentar que a carência afetiva está diretamente relacionada a transtornos como ansiedade, depressão e vícios emocionais. Não é exagero afirmar ainda que a falta de afeto é uma das raízes silenciosas de muitos sofrimentos psíquicos.

Enfim, é sabido que tem muita gente oportunista querendo pegar carona nesse fenômeno, desde influenciadore(a)s digitais, políticos e aproveitadores os mais diversos. É preciso separar o “joio do trigo”. A grande maioria dos casos não passa de uma brincadeira ou de pessoas oportunistas querendo aparecer na mídia ou tirar proveito financeiro ou social dessa mania, mas alguns casos precisam de atenção, especialmente quando se trata de apego exagerado e compulsão por estes bebês reborn e ou outros objetos. A incompletude inerente ao ser humano jamais poderá ser preenchida por um boneco de silicone, pois bonecos não têm empatia.

Como bem diz a letra da canção “a flor do mamulengo” de autoria de Luiz Fidelis, que fez sucesso com a banda “Mastruz com Leite”: “…me apaixonei por um boneco e ele neco de se apaixonar…”. E, como confirma o Exaltasamba, “eu me apaixonei pela pessoa errada…”.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB