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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Romance apócrifo

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publicado em 26/10/2025 ás 07h00
atualizado em 26/10/2025 ás 09h06

Nunca encontrei uma alma gêmea. Nem quando estive na jornada de Odisseu, aquele que causa dor ou raiva.  As pessoas da sala de jantar, do terraço, dos botequins, serafins, afins, vivem a dizer que encontraram sua alma gêmea, mas elas não se apresentam como almas gêmeas.

Ninguém foi um rio, ninguém sonhou com isso. Deixaram-me com os sonhos abertos, com a minha ferida arrebentada, como se eu fosse uma casa abandonada. Nunca a casa de Irene. Lamento, mas não mereço ter encontrado a alma gêmea e nem ouso dizer: “minha alma gêmea”. Chega de propriedade.

Seria José Saramago minha alma gêmea? Ah! Não tenho essa sorte. Assim mesmo não desprezo quem não se interessa por mim. O meu único desejo foi aprender a ler e escrever, mas não consegui as duas coisas.

Sombras, leitos, peito duros, cobertos de lençóis de outras terras, lugares, quase palácios, cubículos viscosos onde se oculta a pedra da loucura, mas nada disso tem a ver com a alma gêmea. Eu nem sei por que estou escrevendo sobre ela. Talvez entrando pelos corredores de Paula Lavigne, a mulher do Caetano, e já percorri-os todos só pra dizer: fica comigo essa noite e não te arrependerás. Ou fica  um pouco mais.

Sim, José Saramago abordou a alma em sua obra, especialmente através da metáfora da cegueira em romances como ´Ensaio sobre a Cegueira´, onde ele questiona a essência moral e espiritual do ser humano quando a visão se perde. Puxa vida, deve ser muito escuro perder a visão. O que uma pessoa conseguiria enxergar com o tato? Uma tatuagem antiga?

Em seus poemas e textos, Saramago também se referiu à alma como centro de emoções e reflexão. Mas o que vem a ser o centro das emoções? Não vale citar a canção de Roberto. São outros detalhes, outras emoções.

Procurei a figura da alma gêmea na garrafa do ex-companheiro Old Parr, e ela surge toda liquida, lânguida, no jardim que se avizinha, tentando ser substituída pela degustação do malte. Vi um homem novo de mãos dadas com uma mulher mais velha, e aproximaram-se e passaram à minha frente. Não era a alma gêmea. Alma não come maçã verde.

Voltemos para Saramago. A amiga Jória Guerreiro, já leu alguns livros do escritor português e está a me dizer coisas belas. Ela fala sobre ´As intermitências da morte (2005), que eu nunca li. É porque Saramago tem que ler va-ga-ro-sa mente.

O que é a Janela da Alma? É a janela sem gelosia? Não. Inspirados no documentário de mesmo nome, dos diretores brasileiros João Jardim e Walter Carvalho, as imagens apresentam os problemas visuais de pessoas com miopia e cegueira. Saramago é associado à ideia de que a visão do mundo (e, portanto, a nossa percepção de nós mesmos e dos outros) está intimamente ligada à alma, sugerindo que a forma como vemos a realidade é um reflexo de quem somos. 

Imagino minha alma gêmea com uma caixa de papelão na cabeça, se protegendo do sol, com ovos para bater bolos, na outra mão. Na luz reflete sobre algo mais transparente e me revela nitidamente o esplendor em formas desiguais.

Uma notável alegoria toma conta de mim, enquanto esqueço que a minha alma gêmea não existe nem nas membranas mucosas, de um todo aproximativo, cujo prazer mora do outro lado da rua.

Todas as almas juntas, cenas rápidas, saindo pelo ladrão, fugindo e o que poderiam provir  numa versão também aproximada, fica lá no fim do mundo.

Não direi quem é minha alma gêmea, sobretudo, já não sei falar. Já não posso falar. Desperdicei a viagem, tudo o que tinha, até a minha alma gêmea, que eu achava ter encontrado.

Kapetadas

1 – Não existe certo ou errado. Existe apenas estar dentro ou fora.

2 – Não me deixe só eu tenho medo do escuro eu tenho medo do inseguro do fantasma da minha vó

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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