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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

Talento

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publicado em 07/10/2025 ás 21h10
atualizado em 07/10/2025 ás 21h15

Talento

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Há pessoas que passam o tempo todo e não descobrem do que são capazes e nem do que faz sentido em suas vidas, e o que poderiam fazer de diferente ou inédito, permanecendo como robôs mecanizados, obedecendo a uma rotina instituída pelo contexto em que se relacionam e convivem. Às vezes são movidas e pressionadas pelo costume do que é mais fácil e já se encontra estabelecido; atrapalham e travam aquelas que não pensam e nem fazem as coisas previamente determinadas, impedindo a criatividade.

Uma confusão se estabelece entre o que é dom e o que seja talento. Os estudiosos afirmam que não significam a mesma coisa. O dom é característica de uma pessoa desde que nasceu. Como exemplo, minha neta é muito elegante; a elegância nasceu com ela, no andar, no falar, nos gestos, tudo tem nela um estilo diferente que lhe impõe um glamour e a faz única. Observa-se que muitos manequins estão na função, mas lhes faltam o molejo e o estilo para tal. Basta assistir um desfile de moda para que se identifique o que estou a dizer.

O talento é algo que se pode desenvolver e aperfeiçoar ao longo da vida, aonde se identificam indivíduos com criatividade, potencial e inteligência, e o aperfeiçoamento através do esforço, da motivação e da constância. Há aqueles que não têm estudos e experiência em tal área e ao primeiro contato são capazes de se capacitar com facilidade e competência. Demonstram alto potencial de desempenho para o que se propõem executar. Trazem consigo aptidão natural e não apresentam resistência. Com o continuar, mostram destreza e se destacam e alcançam resultados acima da média, seja nas artes, esportes, tecnologia, etc. Sujeitos que empenham seu cérebro e seu coração na arte de aprimorar sua obra e, com isso, aperfeiçoar a si mesmos. O seu aprimoramento surge com o treino e a prática contínua e aprendizados, transformando-se em peritos profissionais. Para que alcancem êxito faz-se necessário determinação, esforço, dedicação e disciplina para alcançar o objetivo estabelecido. A exemplo disso, conheço de perto o famoso Luthier, João Batista Trajano dos Santos, que impõe aos instrumentos que fabrica, a famosa marca JB, e assim personaliza a alta qualidade com que são fabricados, que só os notáveis instrumentistas o possuem. O talento combina vários fatores; a competência diz do conhecimento, do que fazemos, tanto empírico quanto cientificamente; Habilidade para fazermos alguma coisa que só é demostrada quando é dado oportunidade de desenvolvermos e, através do tempo, evoluirmos e avançarmos. Isto nos é comprovado quando, por exemplo: gosto de música, mas não tenho talento para cantar ou dançar; Gosto de cozinhar, estudo sobre o assunto, mas não sou um Masterchef; Gosto de exercícios físicos, tenho uma boa habilidade motora, mas longe de ser um expoente do esporte.

Ao falar do contexto supracitado, quero referir-me à história de um adolescente que se destacou no projeto desenvolvido pela Prefeitura de João Pessoa, em parceria com a Escola do Teatro Bolshoi/Brasil, firmado no ano de 2003, quando, na época, foram selecionados 8 alunos e na verdade só ficaram 7 por que um desistiu. Formaram-se na Escola Bolshoi do Brasil/Joinville e hoje são bailarinos famosos, pertencentes a grandes companhias estrangeiras, representando João Pessoa. Isto foi uma parceria de sucesso. Houve uma lacuna na continuidade do projeto devido a mudança de política e só em 2021 foi retomado, mediante à seleção de crianças para ingresso no projeto.

O aluno Nicolas Keveny da Silva Bernardino   foi selecionado no ano de 2022, proveniente da Escola Municipal Frei Albino, do Bairro do Bessa. Pertence a uma família humilde, com pais batalhadores em prol de uma busca de vida melhor para seus filhos. Viram a participação do filho no projeto como uma oportunidade de vencer na vida. Este ano, a Escola de balé Bolshoi/Brasil comemora o jubileu de 25 anos com espetáculo inédito e histórico intitulado “Gala Concerto – 25 anos” e, por isso, recebeu um convite da Escola Russa/Moscou para que o Brasil fosse se apresentar, no dia 6 de setembro de 2025, no Teatro Bolshoi em Moscou e levasse algum repertório e dentre o escolhido para crianças foi o espetáculo “Quebra Nozes” em que há uma parte “La paire de trois”, encenada por duas meninas e um menino (Nicolas). Na apresentação foram muito aplaudidos e ovacionados. Após o espetáculo, Nicolas foi entrevistado e falou, feliz e emocionado: “só tenho que agradecer ao Prefeito Cícero Lucena, à Secretária América Castro e a todos os meus professores. Estar aqui é a realização de um sonho e o início de uma trajetória como um grande bailarino”. Hoje, está no terceiro ano do Bolshoi, possui um grande talento destacando-se dos demais de sua classe. O Bolshoi no Brasil, para a apresentação externa, exige critério rigoroso de seleção e o Nicolas enquadra-se no estabelecido para a condição que lhe permitiu viajar junto à Companhia Jovem do Bolshoi, ao lado de professores brasileiros e alguns dirigentes.

Presentemente, há 15 crianças estudando nos diversos níveis do curso sendo o mais avançado o quarto ano, que corresponde à metade da formação. Em Joinville, elas contam com apoio logístico, moram numa casa estruturada com todas as condições de vida condigna coerente com as necessidades das crianças, para que possam desenvolver seus estudos. A Prefeitura do Município de João Pessoa, através da Secretaria de Educação é quem as mantêm, com repasse de ajuda financeira mensal. Elas ficam na casa com uma tutora, que é chamada mãe social, contando com mais três pessoas auxiliares. As crianças, no turno da manhã, vão à escola do Bolshoi e a do ensino médio, uma das melhores escolas de Joinville, vão à tarde. Em   ambas há uma série de exigências disciplinares quanto ao comportamento e à avalição nos estudos.

O projeto proporciona aos estudantes das escolas municipais, primeiro, estudar em uma entre as dez melhores escolas de dança do mundo, que é a Escola de Teatro Bolshoi no Brasil, a única filial fora da Rússia e estes estudantes, ao ingressarem, participam de processo seletivo rigoroso, um dos maiores que se conhece, haja vista que no ano passado concorreram 100 candidatos para uma vaga. Todo ano o Bolshoi Brasil seleciona 20 meninos e 20 meninas, para uma formação de oito anos. É uma escola como outra qualquer, com disciplinas curriculares voltadas para a dança. Aprendem a tocar piano, outra segunda língua etc. Proporcionam tudo isso gratuitamente por que a Escola teatro Bolshoi no Brasil espelha-se na escola de Moscou que iniciou a atividade trabalhando com crianças órfãs.  Então, a do Brasil segue a mesma linha metodológica de ensino Vaganova em homenagem a uma famosa bailarina russa que se chamava Agripina Vaganova, falecida em 1951 em São Petersburgo, professora renomada do balé da Escola Teatro Bolshoi/ Moscou, que inventou um método e técnica de ensino que foi adotado.  O estudante será formado em Técnico Profissional de Dança ao final de oito anos, quando recebe o certificado, reconhecido pelo MEC. Em geral, quando os alunos chegam ao sétimo ou oitavo ano, fazem audições para grandes companhias de dança do mundo inteiro. As companhias ao saberem do currículo e que estes bailarinos tiveram sua formação na Escola Bolshoi do Brasil, os acolhem e os contratam porque reconhecem a excelência de seu aprendizado.

Como se constata, a pessoa que tem talento, possuidora de capacidade inata de executar algo, sempre expressa uma expectativa que se manifesta pela ação de tudo fazer com qualidade, acima da média e obter o sucesso e o êxito na sua carreira profissional. Cada um de nós traz uma marca própria, um sinal que demonstra um comportamento especial e exclusivo que nos faz dominar o mundo de sua atividade, no caso, o ballet desenvolvido por Nicolas, que o realiza impondo a especificidade de seu estilo. Comparo com um jogador de futebol. Todos jogam, mas em cada um existem as peculiaridades de seu estilo de jogar, sem que isso atrapalhe o time, pelo contrário, contribui para alcançarem o êxito esperado. Lembro aqui o jogador Garrincha, campeão brasileiro. Todos nós, temos talentos; falta-nos oportunidade de pormos em prática o que sabemos para então sermos reconhecidos. Isto porque os talentosos não são gênios, nem são possuidores de dons especiais, mas pessoas comuns, dotadas dos mesmos atributos mentais da maioria da humanidade, isto no sentido humano e biológico, porém, ao executarem algo, o fazem de forma especial, a seu modo, que os tornam diferentes, únicos e que essa diferença os induzem ao sucesso.

Com relação ao fenômeno Nicolas, o prefeito da Capital disse: “A parceria é um exemplo de como a arte e a educação podem se unir para transformar vidas. ” Atualmente, a Prefeitura Municipal da Capital, por meio da SEDEC, mante 15 alunos da Rede Municipal estudando na Escola Bolschoi, em Joinville, com as despesas pagas com recursos próprios”. A representante da Escola Bolschoi em Joao Pessoa, a coordenadora do Projeto e de todo processo seletivo da SEDEC, Fernanda Albuquerque assim se expressou: “A gente pode proporcionar um futuro melhor a essas crianças ao estudarem em uma das melhores escolas de dança do mundo, ter uma educação de primeira qualidade, tomando conhecimento de arte, de Cultura, também, ao mesmo tempo, e em paralelo, caminhando junto com a questão escolar. Isso, para nós, é motivo de satisfação, de gratidão e de felicidade”.

Portanto, está provado: quando existe vontade política de quem, em última instância, decide na administração, as coisas acontecem. O que se lamenta é que não haja mais projetos a exemplo deste, para que se possa beneficiar mais crianças tão carentes, e que esperam a vontade do poder público. Sem ele, jamais poderão sonhar como Nicolas, que teve esta oportunidade e pôde desenvolver a habilidade e competência para a dança clássica, que estava entranhada em seu íntimo; sem esta ajuda nunca o seu sonho seria realizado.  Parabéns! Aos dirigentes municipais em poderem oportunizar o feito deste sonho que só está iniciando.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP)

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