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Professora Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP]. E-mail: [email protected]

  O amor verdadeiro

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publicado em 01/05/2025 ás 08h08

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Muitas vezes ficamos a pensar…. Será que existe o amor verdadeiro e puro? Hoje, diante de tantos casos de desamor e que julgávamos existir o amor verdadeiro e quando menos se espera acontece a separação deixando todos nós atônitos! Lembro, agora, de uma pessoa próxima de mim a dizer-me que a mulher que mais amou nunca tinha lhe tocado as mãos. Havia flertes, olhares correspondidos e ambos se sentiam atraídos um pelo outro. As vezes, uma expressão mais sugestiva, um sorriso, em silêncio que era a linguagem forte entre eles. Era o dizer tudo sem que fosse dito nada. Em um dia tomou coragem e decidiu que iria à casa da moça para falar com seu pai. Tinha pesquisado e sabia onde morava. Pedir consentimento para namorá-la naquela época, à moda antiga, era assim estabelecido. Aprontou-se com seu terno branco e foi em direção a sua residência. No caminho sofreu um acidente e nunca mais a viu, nem a encontrou no bonde, como era de costume, ela indo para a escola e ele já para a faculdade. E disse-me: eu nunca a esqueci e nem nunca a tirei dos meus pensamentos. O nome dela não sabia. O silêncio foi a linguagem utilizada, porque o não dizer nada converteu-se em nunca nada dizer.  Nessa altura da vida, já era idoso, casado e muito bem casado, de um lar bem constituído. Eu perguntei: Você ama a sua esposa? Ele disse-me amo, mas é um amor diferente. Fiquei em dúvida: Qual era o verdadeiro? O que ficou no sonho ou na imaginação ou o que viveu concretamente? Por que na expressão dele “a mulher que mais amei” ?? Interessante esta história; eu nunca esqueci e fico me questionando qual desses é o verdadeiro amor?

Digo isto como introito, porque esta semana, conversando com colegas da academia de ginástica, tive conhecimento de uma história que também para mim diz sobre o verdadeiro amor. Conheci Artur na aula de hidroginástica, há bastante tempo. Todavia, conversávamos muito pouco, cerimoniosamente, e ele muito reservado. Eu participava em dias alternados de duas turmas. Numa das turmas existia o colega Artur com seus 57 anos e, na outra, uma moça Sheyla, de 28 anos. Descobrimos, eu e a professora Katia, da hidro, a história de Artur, o colega que sempre o achei reservado, calado e educado, através da filha Sheyla que estuda comigo no outro turno, que nos contou toda a trajetória de vida do pai na qual a dela também está entrelaçada.

Assim a história se inicia. Num lugarejo no interior de um Estado do Nordeste viviam trinta famílias, formando um pequeno povoado onde todos se conheciam e as crianças brincavam juntas. Foi aí que Artur e Débora se conheceram. Conviveram na infância vindo a ficar um pouco separados na adolescência em função da vida escolar. Artur, sempre gostou muito de estudar.  Quando terminou o primeiro grau mudou-se para a capital a fim de continuar seus estudos até prestar vestibular para Odontologia, que era o sonho acalentado desde muito tempo. Débora, após o término do primeiro grau tinha um sonho que era àquele de todo nordestino, ir para São Paulo estudar e trabalhar. Tentar lutar, vencer na vida e adquirir melhores condições do que aquelas que tinha no interior. Quando em São Paulo, Débora começou a trabalhar no comércio. Conheceu um rapaz, comerciante de quem apaixonou-se perdidamente, chegando a casar com ele. Acreditou que estava construindo seu futuro e sua felicidade. Abraçava a vida com paixão e ousadia. Foi morar na periferia. Tudo simples e adquirido com sacrifícios. No princípio do casamento ia tudo bem, ela sentia que batalhavam juntos vencendo os desafios e as vicissitudes que se lhes apresentavam. Com o tempo teve duas filhas, Sheyla e Cibele, que eram o motivo de sua existência. A labuta diária não era fácil e ficou ainda mais difícil porque seu relacionamento, a vivencia no casamento, se desgastara. O esposo a traia abertamente. Envolveu-se com o álcool e com isso veio o desmantelar de seu lar.  O marido começou a maltratá-la, chegando a espancá-la por várias ocasiões. A vida tornou-se insuportável. Sua filha mais velha tinha 5 anos e a mais nova 3 anos. Percebendo que a cada dia o problema se agravava mais, pensou como organizar a saída daquela situação, pois se permanecesse ali vislumbrava um futuro sombrio para ela e suas filhas. Diante da problemática haveria de encontrar uma solução. Um dia, quando o esposo saiu para o trabalho, ela pegou poucos pertences, arrumou as filhas e dirigiu-se para a rodoviária, retornando para o Nordeste sua terra natal. Quando já estava aqui, soube que ele não queria saber mais dela e nem das filhas. Realmente cumpriu a promessa de que nunca gostaria de saber o paradeiro dela e nunca as procurou. Débora, ao voltar ao Nordeste, veio abrigar-se na casa de sua mãe que a acolheu com suas filhas. Uma nova etapa em sua vida inicia-se.

Artur, o amigo de Débora desde a infância, já havia se formado em odontologia, feito concurso para a prefeitura da capital e ali se instalou. Apesar de trabalhar na capital sempre uma vez por mês ia visitar a mãe dele no interior. Namorou várias moças, mas não deu certo. Porém sempre estava aberto para o casamento pois pensava em constituir família. Ainda continuava dedicado aos estudos e ao trabalho, sobrando pouco tempo para o laser. Achava que isso dificultava um namoro mais sólido para chegar a um casamento. Em uma das visitas que fez a mãe, encontrou-se com a amiga de infância, Débora. Conversaram muito e Débora expôs sua história tão sofrida e seu desencanto com o casamento. Ele lhe ouviu atentamente e outras visitas se sucederam, encontros e as conversas aprofundaram-se de modo que a vida de Débora foi descortinada dando margem a Artur mostrar o sentimento de amor que sempre nutriu por ela, desde os primórdios quando eram crianças, porém ela nunca percebeu, era muito ativa e alegre e ele muito tímido. Faltava-lhe coragem para se declarar, o que o fez agora, dando início a um idílio, o sonho embalado durante toda vida, de ter a musa que foi motivo de seus pensamentos, fantasias e devaneios amorosos. Que na distância alimentava e nunca deixou de vê-la, admirá-la sem esquecê-la em pensamento e naquele momento teve o prazer de concretizá-los.

Com um ano de relacionamento Artur e Débora casaram-se e vieram morar na capital do Estado onde ele trabalhava. Assumiu e adotou as filhas de Débora como se suas fossem, ofereceu todo o conforto e custeou os estudos nos melhores colégios. Tratou-as com carinho e afeição e na família reinou, durante cinco anos, o amor e a plena harmonia. É nesse ambiente de felicidade que um dia Débora vai fazer exames de rotina e descobre que está com câncer. O câncer muito agressivo, já em estado avançado. Enfrentou a peleja de tratamento com quimioterapia, rádio, mas infelizmente não conseguiu debelá-lo, vindo a óbito com oito meses. O período da doença foi muito sofrido para Artur que se dedicou integralmente aos cuidados e a assistência para que não lhe faltasse nada e tudo era providenciado conforme estava a seu alcance. Naquele momento do calvário de Débora, sentia uma sensação de impotência pois ela estava despedindo-se da vida e ele não podia reverter a situação. São os desígnios de Deus. Restava demonstrar-lhe o quanto a amava e fazer sentir o que representou para sua alma a união entre eles e que aquele sentimento perduraria nele para a eternidade, quando iriam se encontrar no etéreo, pois naquele plano jamais haveria interrupção. Isto foi selado com juras de amor.

Ficou Artur viúvo com suas filhas adotivas, de 12 e 9 anos, adolescentes. Para cumprir a missão de pai, contou com ajuda de uma funcionária, senhora que durante sua ausência dava o apoio logístico necessário, educativo e disciplinar, o que foi de suma importância para que Artur conciliasse o trabalho com as tarefas de pai e que em momento algum abdicou de suas obrigações. Amou tanto Débora que transferiu o seu amor para as filhas. Hoje, Sheyla é formada em Odontologia, seguiu a formação do pai, está casada e tem uma filha, que se chama Débora, o xodó de Artur e mora perto do pai. Ele aposentado, reside na mesma casa em que criou as meninas e um dos seus quartos é de Débora sua neta, decorado à caráter, que sempre o ocupa. Cibele formou-se em Direito, atualmente está na Europa cursando doutorado em Direito Internacional. As filhas o amam muito e em conversa dizem: “Painho era tão bom que você arranjasse alguém porque está ficando tão só “. Ele fala: “ninguém vai substituir sua mãe. Nunca eu vou encontrar uma pessoa para amar como a amei. Verdadeiramente só se ama uma vez”.  Isto é o verdadeiro amor.

Profª. Emérita da UFPB e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba (AFLAP

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