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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Nunca haverá uma mulher como Ana Gilda

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publicado em 30/11/2021 às 08h43
atualizado em 30/11/2021 às 09h53

Eu nunca a chamei de Ana Gilda, mas sempre me lembrava: “Nunca houve uma mulher como Gilda!” que levou um público imenso às salas de cinema para conhecer a misteriosa personagem, que a atriz Rita Rayworth tornaria inesquecível. Dona Ana só não foi atriz porque não quis.

O drama,  “Nunca houve uma mulher como Gilda”, um romance, de 1946, dirigido por Charles Vidor, não tem nada a ver com Dona Ana, mas algo me diz que nunca haverá uma mulher como Ana Gilda.

Quando ela disse que ia embora, fiz de conta que não era comigo. Não imaginava a cidade sem ela, mas Dona Ana foi embora.

Ela tem um parentesco com o saudoso jornalista Josélio Gondim e é prima da bela Tina. Logo me apaixonei. Como eu poderia me apaixonar por uma mulher que eu chamava de Dona Ana? Nem toda paixão é visceral.

De repente, minha rua e a rua dela, em frente à minha casa, a Miguel Sátiro, no Cabo Branco, se transformaram num aglomerado de uma indistinta tristeza.

No dia seguinte, o seguinte falhou – ouvi meu coração batendo indignado até ao fundo da alma, por causa da cena que ela me poupou. Eu pedi a Dona Ana que me avisasse a hora do embarque, queria me despedir, coisa de sertanejo, que vai até a rodoviária e volta pra casa chorando.

Ela não queria que eu estivesse na presenciada cena do adeus, ela e suas cachorras indo embora, mas essa imagem ficou na calçada do prédio Saint Patrick, onde  Dona Ana foi síndica durante anos.

Dona Ana voltou para  Brasília e talvez lá torne a escutar no rádio a canção “Eduardo e Mônica” de Renato Russo, para lembrar que eu não me chamo Eduardo, nem ela Mônica.

Ficamos amigos e nos víamos toda semana. Íamos juntos para o Pilates da professora Leônia Nayara.

Ela não reclamava de nada, com seus setenta e poucos anos. E eu a lhe contar minhas dores, a estupidez e a banalidade de ser um homem velho ainda moço, preso a uma irrealidade sem tamanho.

Debaixo de chuva e calor, prestígio pela sua amizade, eu nunca tinha visto uma mulher assim, tão determinada.

Dona Ana teve dois filhos, Marcelo Henrique e Eliane Cristina de um único casamento e o marido Seu Geraldo Carvalho, era louco para vir morar em João Pessoa. Ela dizia que ele adorava a cidade, mas partiu antes e Ana Gilda veio ficar uma longa temporada aqui, como se estivesse realizando o sonho do seu homem.

Parecia uma judia.

Um dia um rapaz perguntou na ante sala do Pilates se ela era minha senhora – respondi que sim. Ela ficou calada.

Acho que Dona Ana foi a pessoa mais bem humorada que conheci, bem mais que eu. E eu lá sou bem humorado…

Por isso não posso deixar de protestar sua ausência. É um protesto amoroso com um mínimo de dignidade que eu possa ter. Simplesmente fantástica, Dona Ana!

Volta Dona Ana, vem colocar as luzes de Natal, traz os sinos que dobram nossas esquinas, sobre mares que ainda haveremos de navegar.

Volta Dona Ana, a cidade ficou desolada. Saudades.

Kapetadas

1 – Na foto estamos nós com ela – e as fisioterapeutas Lêonia Nayara e Larissa Araújo.

2 – O Rei Roberto ficou sem combustível. Mas já não estava?

3 – Som na caixa: “Tenho comigo as lembranças do que eu era”, Milton Nascimento

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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