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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Portait d´un Sarney

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publicado em 27/04/2025 ás 07h00
atualizado em 27/04/2025 ás 07h58

Você conhece Rosiclarindo? Não?  E Florismélio, que andava com um 38 na cintura, na Praça Gonçalves Dias em São Luís do Maranhão? Outro dia vi um sósia de Mamelino agarrado a um sofá na Rua da República – era a sagração em pessoa.

Não tem uma vez que eu vá na casa da escritora Ângela Bezerra, pra sair com as mãos abanando. O cérebro a mil. Ângela tem vasta cultura, declama Camões e vários poetas e vem de diversas encarnações literárias.

Da obra de José Sarney, eu conhecia apenas um romance “O dono do mar”,  mas nunca tinha lido. Ângela me falou dos contos, seu único livro de contos “Norte das Águas”, que eu não conhecia.

Não aprecio muito contos, alguns de Machado, Edgar Allan Poe, mas contos precisam ser escritos como um pequeno romance. Contos, que para muitos é a poesia de outros.

Em 1969, a editora Martins lançava “Norte das Águas”, livro de contos de José Sarney, o então político, da chamada secundária Arena, algo como braço civil do regime militar brasileiro. Deixa pra lá. Norte das Águas foi relançado pela Siciliano nos 70 anos do autor com uma exposição de sua trajetória política.

Vez em quando, Sarney.

Numa sequência, três contos de puro realismo, o autor relata situações do “Maranhão Profundo” O primeiro, conta a vida de extrema violência dos primos “Boastardes”, Vitofurno, Mamelino e Olegantino, que movidos pela crueldade matavam com fútil sem motivos, castigavam até mulher grávida, mas que, mergulhados no vazio, como modo de vida, acabam por se matar. Louco, né? Os políticos também habitam esse universo. Imagina deputados e senadores matando uns aos outros por “emendas” Ué, mas isso já acontece há séculos.

Os personagens de Sarney trazem nomes que lembram ´Cem Anos de Solidão´ de Garcia Marquez e ´Grandes Sertões Veredas´ de Guimarães Rosa Como tudo se transforma e tem a fonte, o que foi dito, escrito e publicado. então, “Boastardes”,  relata a traumática existência dos primos Rosiclarindo, que desmaiava ao ver sangue; Brasavorto, que ao ver cabeça de peixe se transtornava, tentava arrancar os cabelos e soltava um grito vinha bater em Pernambuco, que apavorava quem ouvia aqui na Paraíba.

Florismélio, que ao sentir alguns cheiros, a começar pelo de unha, era atacado por uma crise de soluços que durava dias e noites. Delírio total. Os três viveram com a mesma mulher, Rita Nanica, (que hoje chamam de trisal) E os “Boasnoites”, Amordemais, Dordavida e Flordasina, parentes carnais, “encantados do amor da terra, das aguadas e dos campos”, cantadores, contadores de estórias e hábeis na arte.

Os Boastardes aterrorizam as cidades, o que acontece até hoje com os milicianos e facções. Os dedos no gatilho são mais ligeiros que cobra na areia quente. Lembra do  homem da cobra, que falava pelos cotovelos. Pois é, o final sempre é trágico, como tudo na vida. Os Boasdias são amigos para sempre, uns coitados preguiçosos cheios de mania, que seguem por aí, onde o diabo fez a curva.

Querida Ângela, escrevi apenas para dizer que estou com saudades do Brasil, adorando os contos de Sarney, que teve admiradores como Lévi-Strauss.

Kapetadas

1 – Galera que coloca facetas nos dentes: vocês não exageram no tamanho não? Sei lá, é cada monstro.

2 – Vera! Um dia, quem sabe, será. Quem viver, Vera.

3 – Ilustração – José Sarney com Pelé e Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos em uma cerimônia na Casa Branca, em 1986

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