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Hildeberto Barbosa Filho
Minha Comarca agradece ao refinado clarinete do maestro Gentil. Seus solos intervalares parecem conduzir, aos nossos corações, a silenciosa e cadenciada melodia dos deuses. Gentil, que se deu à musica a vida inteira, compreendendo, portanto, os segredos dos aforismas acústicos, é um desses deuses que sabe o sabor das harmonias viscerais.
Minha Comarca agradece ao poeta e cantador, Dudé das Aroeiras, a força de sua voz e o veludo de seu violão. Delicada técnica na mão direita, traz o calor da terra para as cordas discorrerem o brilho original das composições. Há qualquer coisa dos sacrários ancestrais a pontuar o idioma de seu instrumento vocal, como se nas canções que canta e dedilha, ficasse cristalizado o aroma solar que vem das pedras e dos riachos.
Era um domingo. Dia 21 de abril de 2024. Éramos quinze aventureiros pousando nos pastos humildes e verdes de minha Comarca. Havia chovido… O Cariri floresce, de repente, com a sinfonia das águas. Íamos em busca da alegria, da convivência, do afeto e do sonho, unindo o ritmo de nossa sensibilidade ao suave e doce corpo da paisagem.
Dentro de mim, o quieto entusiasmo em rever aquele chão sagrado onde plantei os desejos de minha meninice. Dizia a um que daquele serrote, o Serrote da Torre, descia a negra Conga, com seus cavalos de pau, para comercializar, na feira dos sábados, a fantasia que alimentava a alma das crianças. A outro, mostrava a Pedra do Sino, patrimônio arqueológico que ainda hoje me encanta. O Cruzeiro, a igrejinha do Rosário, a casa em que nasci, o açude, o alto, o mercado público, a praça, o Grupo Escolar Major José Barbosa; becos, ruas, ladeiras, os descampados em derredor, tudo compilava na partitura de minha rude ciência ecológica e turística.
Minha Comarca agradece à casualidade de três circunstâncias quase apoteóticas, fermentadas ao apelo das íntimas emoções. Primeiro, Gilmar Leite, declamador do Pajeú das Flores, sonetista contumaz, recita o poema “O silêncio da noite”, a partir de um mote de Severina Branca. Segundo, o imortal Tarcísio Pereira, dramaturgo e escritor, interpreta o poema, calcado no sermão do Padre Vieira contra a escravidão, extraído de uma de suas inúmeras peças, numa encenação que a todos comoveu. Por fim, o advogado Durval Lira, numa oração de iluminado improviso, faz a resenha lírica desse encontro histórico, etílico e poético.
Minha Comarca agradece aos versos telúricos e dilacerados do poeta Irani Medeiros, jogando sua voz aos ventos e exercitando o olhar de sertanejo pelos chamados agrestes de uma outra geografia. Humberto de Almeida se deixava levar pelo embalo da música, apreendendo, como poucos, a verdade fônica dos arranjos e compassos no embate dos instrumentos, no pulsar da voz contrastando com os relevos do silêncio.
Se Antônio David fotografava, com seu clic estético e documental, interstícios da paisagem, fímbrias de rostos transfigurados, imprimindo o selo da vida nas naturezas mortas; se Marcos Estrela mirava, também com seu talento artístico, particularidades da zona urbana e espalhava a imaginação pelos seios das serras, Omar Brito, ator e cineasta, tecia películas dentro do nada, para captar as manchas douradas das coisas invisíveis.
O grande jornalista Sérgio Botelho se fez escrivão e repórter dessa pequenina maratona, quer nos seus imperativos históricos, quer nos seus dispositivos abertos para o devaneio. Pierre Bertholet, sagaz andarilho, caçador de paisagens, topógrafo de principados simbólicos, ampliou, decerto, a riqueza de seu acervo cultural, assim como o poeta do mínimo, Gilson Rolim, trouxe o cheiro dos exuberantes marmeleiros para dentro de sua engenharia vocabular.
Minha Comarca agradece, a ele, o geógrafo e bibliófilo Francisco de Assis Vilar, o peso de sua presença rara e o exemplo de sabedoria e serenidade que nos oferece todo dia. Assis conhece a cultura e conhece a natureza; sabe fundi-las de acordo com as matrizes da disciplina cósmica. Minha Comarca também agradece ao professor doutor, José Roberto Nascimento, a tactilidade do seu conhecimento quântico e a convicção de que, minha Comarca, como todas as comarcas do mundo, não foge ao princípio democrático da incerteza. Minha Comarca agradece ao caçula da turma de aventureiros, jornalista Alexandre Macedo, editor e executivo da EPC, Empresa Paraibana de Comunicação, a agudeza gráfico-visual de seu olhar também dado ao gosto da beleza.
Foi assim aquele domingo. O cronista agradece, em nome da Comarca, a visita de seus pares a seus pagos antigos. Mesmo embebido na liquidez da música, na música da poesia, na poesia de líquidos mágicos, o pobre cronista não conseguia tirar o olho das pedras que tanto lhe marcaram o destino. Essas pedras, brutas e polidas, serenas e severas, graves e agudas, donde escorre o óleo natural da vida.
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PODCAST DIRETO DE BRASÍLIA - 08/07/2025