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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Lembranças, nada mais

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publicado em 08/09/2021 às 07h27
Nélson Gonçalves, cantor, tocando violão.

“A flor do meu bairro ∕ tinha o lirismo da lua”, cantava Nelson Gonçalves (foto), pela difusora do Bairro da Liberdade, na Serra da Borborema, sempre às tardes de sábado, sempre às tardes de domingo, com sua voz forte e cadenciada, invadindo o coração das ruas e ofertando o cálido sabor da saudade a todos que se comoviam com o ritmo melódico de suas interpretações.

E eu, em meus plenos e perplexos quatorze anos, perfurado já pelos espinhos ásperos e ternos dos primeiros amores, me deixava embalar pela correnteza espontânea desses singelos sinais de pura poesia. Eu era feliz e não sabia? Não sei. Não sei tem sido meu lema principal, e a vida, essa vida vã, vária, voraz, vândala, tem dessas coisas.

Por exemplo: lembrar, ao acaso de uma circunstância qualquer, antigos sucessos do “Último Boêmio”, permitindo-me, como se entrasse numa outra escala do tempo, tempo inapreensível, de mágicas descobertas e de lúdicas aprendizagens, recuperar os olhos negros e primitivos de Juliana, tocar o algodão da pele de Carmelita e me espantar ante a misteriosa sensualidade do corpo de Joana D`Arc.

Vejam, leitores, que poder possuem alguns versos do cancioneiro popular, sobretudo se pensarmos nas canções que Nelson Gonçalves cantava, a exemplo de “Camisola do dia”, “Maria Bethânia”, “Nem coberta de ouro”, “Caminhemos”, “A deusa da minha rua”, “Cabelos brancos”, “Fica comigo esta noite”, “Carlos Gardel” e “Hoje quem paga sou eu”.

“A flor do meu bairro ∕ tinha o lirismo da lua”, e eu, o lirismo modesto e febril do adolescente apaixonado, com seus bolsos vazios, cheios de versinhos confessionais e de pé quebrado, sob a influência direta e dilacerada dos românticos, principalmente de Álvares de Azevedo e de Fagundes Varela.

Os enredos das letras, na batuta de sua voz de seresteiro maior, repercutia decisivamente nas pequenas tramas amorosas em que eu me enredava, suplicando, a um e a outro: “Não falem desta mulher ∕ perto de mim”, e, repetindo, nas conversas com os amigos nos bancos de praça: “Nem que ela venha coberta de ouro”; “Quanto mais longe dos teus olhos ∕ meu amor”; “Vestida de azul e branco ∕ trazendo um sorriso franco ∕ no rostinho encantador”; “Boemia, aqui me tens de regresso”, e tantos refrões, versos, estrofes que me alimentaram a alma numa época que jamais voltará, pois são apenas lembranças, nada mais.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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