João Pessoa, 28 de maio de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Exercitar a crítica literária tem seus desgastes, desgostos e seus sabores. Muitos não a compreendem na sua intrínseca devoção às letras alheias, na sua ética hermenêutica e judicativa, na abertura dialógica que pode proporcionar entre obra e leitor, entre o autor e o próprio crítico.
A crítica literária, quer me parecer, não é nada mais que uma aproximação ao texto, atenta às suas virtualidades próprias, senões e defeitos de forma e de concepção. Não de modo dogmático ou com pretensões científicas, uma vez que se configura, isto, sim, como um ponto de vista, conforme bem elucida o crítico Wilson Martins.
Esse “ponto de vista” não deve ser gratuito nem animado por razões pessoais ou subjetivas, porém, pelo cuidado, ou mesmo, e aqui, sem qualquer afetação, pelo amor que se nutre pela palavra literária. Sobretudo quando essa palavra se articula de acordo com os parâmetros objetivos da estética.
Leio, portanto, alguns poetas, cujos livros me chegam às mãos, a partir dessa clave interpretativa e mobilizado, em primeira instância, pelo respeito ao texto de outros que não temem se expor ao interesse e à apreciação pública.
Maxwell F. D. comparece com sua coletânea de estreia, A arte do nevoeiro indelével (Campina Grande: Papel da Palavra, 2023), entremostrando, de saída, seu gosto pelo polimento do significante e certo fetiche pelos experimentos formais das vanguardas já defuntas dos anos 50 e 60 do século passado.
No primeiro poema, “Amanhece”, vejo a substancia capital da poesia principalmente nos dois primeiros versos: “Amanhece, ∕ É minha voz que amanhece as palavras”. Gosto também de certa corrente corrosiva que invade sua poética, distribuída, no volume, em três seções, assim nomeadas: I “Evapotranspiração da língua”, II “Condensação e acúmulo das gotículas poéticas na umidade relativa da poesia, e III “Visibilidade turva: em vez de velocidade, farol alto e sensibilidade”.
Esse princípio, que Luís Costas Lima chamaria decerto de “princípio da corrosão”, tem sua súmula cortante nesses três versos do poema “Operações existenciais”: “Meus versos só têm raiva ∕ minha prosódia causa náuseas ∕ não metrifico porra nenhuma”. As epígrafes de Edgar Allan Poe, Engenheiros do Havaí e Bráulio Tavares, a seu turno, também sinalizam para a mescla enviesada de seu paideuma poético. Inquietação e talento não lhe faltam. Esperemos outros títulos para verificarmos como o autor vai se comportar diante das exigências artísticas da palavra.
Maxwell é paraibano de Souza, radicado em Boqueirão, no Cariri paraibano. Milita culturalmente nos movimentos da cidade e pertence a ABES, Associação Boqueirãoense de Escritores e Escritoras. No Instagram, mantém a coluna “Crônicas Felinas”. Além de poeta, é professor, contista, com alguns textos publicados na Revista Blecaute.
De Aderaldo Luciano (foto) leio e releio seus poemas enfeixados em três títulos, a saber: Quero morrer na caatinga (2018), Era um espinho no olho e a flor da lira no peito (2021), e O poeta quer o céu, a cova rasa lhe abraça (2023), todos publicados em São Paulo, pela editora Areia Dourada.
Os variados paratextos – e aqui me refiro às dedicatórias e às epígrafes – já sinalizam para um poeta afeito à mistura do popular com o erudito, do regional com o cosmopolita, dos ritmos arcaicos com as toadas modernas. Muito dos cantadores de viola, naquele compasso típico e bem martelado dos versos isométricos, caracteriza sua dicção lírica, de forma tradicional e apurada, no que diz respeito ao controle do ritmo e das cadências, e, de percepção singular e não raro irônica e sarcástica, no que tange ao andamento dos motivos e temáticas.
“De noite veio um poema ∕ Puxar meus pés, assombrado”. Começa assim, em redondilha maior, a série de dísticos que vai constituir o longo macrotexto de Aderaldo Luciano, em seu último livro. A técnica me parece a mesma dos volumes anteriores, revelando, ao leitor, a perícia na manipulação das rimas, dos paralelismos e das configurações sonoras em que me soam rica sua poética individual.
Os assuntos rurais se mesclam aos motivos urbanos; o tom lírico de muitas passagens se mistura ao apelo épico de outras; a fusão do erudito e do popular se casa perfeitamente em certos giros metalinguísticos; o racional de algumas descrições se confronta com o nonsense de muitas intervenções expressivas. Tudo isso molda sua poesia com elementos de uma vasta e consagrada tradição.
Areense, cantor e compositor, pesquisador da cultura popular, Aderaldo Luciano é nome que merece registro entre os contemporâneos da literatura paraibana.
Outros poetas e outras obras eu deveria mencionar aqui. Outros domingos virão, e, em tempo oportuno, formularei alguma resposta crítica àqueles que me fazem a gentileza de me mandar seus livros, como um desses atos que norteiam os caminhos da vida literária.
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