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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Em alguma parte alguma

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publicado em 13/04/2021 às 07h28
atualizado em 13/04/2021 às 05h22

“A parte mais durável de mim são os ossos e a mais dura também”, quem disse isso foi o poeta do espanto, Ferreira Gullar, (foto) em “Reflexão Sobre o Osso da Minha Perna”. Num único dia encontrei o poeta na calçada de Ipanema. Me abracei com ele. Foi que tinha de ser.
Gullar nos deu muitas alegrias e está bem longe dessa pandemia que nos assola.
De manhã cedinho, da rede na varanda de nossa casa, vejo uma mulher que espera, não por mim, nem por Gullar, com as mãos grudadas no peito da janela, do 8º andar. Ela olha uma cidade de silêncios e ecos.
A manhã avança. Boto para tocar a Nova Sinfonia de Beethoven e sinto como se fosse a vez primeira, a rotação do tempo. A mulher não vê nada, em sobressalto, está à espera do tempo passar e o tempo não para.
Essa mulher está ali todos os dias, mas não sabe se é sábado ou domingo.
Penso nas mulheres rotas alteradas de Vinícius de Moraes, penso nas mulheres dos pescadores do mar de Caymmi, nos vendedores ambulantes que perderam a metamorfose, abrigados na sorte de máscaras suadas.
A cidade nos olha. Outra mulher deseja caricias distraidamente no ventre. A distância um vulto que também está à janela, um senhor de pijama, tomando seu café, que não quer se matar, faz apenas um gesto de costa para o mar, absorto, como se perdido nas marés.
Eu tiro o olho da cena e vejo as flores do jardim, um mundo inteiro de cores que nasce para os meus olhos, destinados a isso.
A mulher faz o sinal da Santa Cruz, mas não é para mim. Eu a vejo, ela não me vê.
Por entre os riscos do dia, Ave Maria, Mãe de Deus.
Talvez o mundo não seja pequeno, nem seja a vida um fato consumado. Talvez Chico Buarque de Holanda, talvez Gilberto Gil. Talvez Cauby Peixoto, cantando Sinatra. Talvez…
A sinfonia segue. É longa. Uma amiga de Barcelona me manda uma foto da atriz Marilyn Monroe, com os seios amostra. Na imagem um risco vermelho. Em junho ela faria 95 anos.

Brincando com as palavras

A cidade agora me lembra um brinquedo perigoso. Eu recuo. Permitam-me a paixão das orquídeas e as simetrias de coisas que dispomos de viés, mas por favor, afasta de nós esse vírus.
Um pouco fosco, do olhar da vida, eu não tiro o pensamento de Diva Medeiros.

Certas canções

A sinfonia segue. Poderíamos falar da qualidade musical que tenho em casa, dos meus discos de Ella Fitzgerald, de Miles Davis e Tom Jobim, da luz que o som traz ou do modo que a vida nos ensina. Existirmos ao que será que se destina?
Vou buscar uma palavra para terminar esse texto em alguma parte alguma e isso será apenas um nome para a vida. Ontem perdemos Vasco. Hoje. perdemos Heitor Cabral. Ninguém aguenta perder mais ninguém
Em alguma parte, parte alguma, os dias passam no espesso esquecimento.
A minha caligrafia nas árvores antigas. Saudades do Brasil. Talvez o mundo não seja pequeno, nem seja a vida um fato consumado. É isso, a inércia traiu o movimento. A Nona Sinfonia nunca acaba.
Puxa vida! Hoje não consegui escrever coisa alguma.

Kapetadas
1 – Não perca tempo discutindo sobre empatia com a vida alheia com quem já morreu por dentro.
2 – A fase mais importante da vida é a infância. Espero ter sido claro. Mataram o garoto Henry Borel
3 – Som na caixa: “Quem madruga sempre encontra, Januária na janela”, Chico B

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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