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Nauro Machado
Chumbo e rugas de uma boca octogenária (Teresina: Halley S∕A Gráfica e Editora, 2023) é o quinto livro dos seis inéditos que o poeta maranhense deixou.
O sexto, que será publicado em 2025, segundo informação de Arlete Nogueira da Cruz Machado, intitula-se Um iceberg para a Praia Grande, um longo poema a constituir, portanto, o fecho lírico de uma poética de intensa altitude, iniciada com Campo sem base, dado a lume nos anos cinquenta e desdobrado em quase uma centena de títulos, dos quais devo destacar, entre outros, Do eterno indeferido, A vigésima jaula, Os órgãos apocalípticos, A antibiótica nomenclatura do inferno e O anafilático desespero da esperança.
Nauro Machado é daqueles poetas que se situam à margem do gozo inglório dos experimentalistas e se mantem avesso às seduções ilusórias das vertentes de vanguarda. Ecoam, em sua expressão poética, certos sons da Geração de 45, naquilo que concerne ao rigor formal e a certa contensão face a algumas ousadias cultivadas pelos modernosos.
Nauro Machado segue a “tradição da imagem” de que fala o crítico piauiense, Assis Brasil, e tem, no verso, ora expansivo, ora contido, a força seminal de sua poesia. Uma poesia de rara densidade lírica e onde o símbolo persistente da agonia e dos paradoxos existenciais conformam, em múltiplas direções, o seu percurso temático e motivador.
Poucos poetas no Brasil e, em especial, na contemporaneidade, revelam o vigor de uma unidade técnica, estilística e temática, como o maranhense. Sua poesia, que pode ser resumida como uma agônica e ácida meditação acerca dos enigmas existenciais, é enaltecida por críticos literários de alta estirpe, a exemplo de Franklin de Oliveira, Fritz Teixeira Sales, Josué Montello, Carlos Nejar, Janilto Andrade, Ivan Junqueira, Antônio Carlos Sechin e José Guilherme Merquior.
Este último, por exemplo, o irmana a Augusto dos Anjos, considerado, em ambos, principalmente o processo peculiar de uma possível “somatização da angústia”.
Gustavo Felicíssimo
Hipertenso (Itabuna, BA: Mondrongo, 2023) é a mais recente coletânea de poemas publicada pelo poeta e editor paulista radicado na Bahia.
Diferente de Nauro Machado, atento obsessivamente aos imperativos da uniformidade verbal, quer no viés do excesso, quer na linhagem minimalista, Gustavo Felicíssimo, nesse livro que ele mesmo considera diverso de todos os outros que publicou, aposta na pluralidade de técnica, de ritmo, de motivos e de forma.
Daí, a presença de modelos poéticos que alternam o primado das formas fixas, seja nos sonetos, seja nas retrancas, nos haicais, nos haibuns, com poemas de versos polimétricos, livres e brancos.
A temática também se distende pelas diversas camadas do discurso lírico. Textos de índole filosófica, de incursão crítica e social, de dicção amorosa convivem, no âmbito da planilha estética, com textos metalinguísticos, Textos atentos à paisagem, aos seres, aos elementos que perfazem a crosta cotidiana da vida. Gustavo
Felicíssimo é um poeta inquieto, observador privilegiado dos contrastes da vida, rastreador de detalhes e, sobremaneira, um poeta que valoriza o peso semântico das palavras, assim como o peso existencial das experiências emotivas.
Acerta em cheio, por isso mesmo, o romancista Carlos Mendes Valença, ao afirmar, logo no primeiro parágrafo da orelha que escreve, que Hipertenso também poderia se chamar “hipertexto”.
Verdade, o mais recente livro de poemas de Gustavo Felicíssimo dialoga com a tradição lírica, ocidental e oriental; dialoga intrinsecamente com a sua própria poética individual, como se a hipertensão diante das palavras, ou a formação desse hipertexto, pudessem servir de parada e reflexão, para um balanço estético do que foi feto e, ao mesmo tempo, um portal para a busca de novos caminhos.
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SÃO JOÃO NA 'HORA H' - 20/06/2025