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Poeta, escritor e filósofo. Nasceu em Pombal no ano de 1961. Reside em João Pessoa

  ANÉSIA CAUAÇU (Tipo Popular)

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publicado em 27/08/2025 ás 16h39

Anésia Adelaide de Araújo, primeira mulher cangaceira, valente, que no início do século XX, lutava capoeira com destreza, bebia cachaça temperada no pé do balcão das bodegas, fumava cachimbo de barro, atirava tão bem, que conseguia decepar os dedos do inimigo numa distância de 100 metros, galopava feito o vento e foi a primeira baiana a vestir calças compridas para montar em cavalos. Dançava em terreiros de candomblé, recebendo Iansã, um orixá guerreiro.

. Anésia criou o seu próprio bando. Nasceu em Jequié, sertão da Bahia. Era branca, alta, cabelos longos e negros e olhos azuis, era uma mulher muito bonita.

Entrou para o cangaço em 1915 para vingar a morte de um parente. O seu nome verdadeiro era Anésia Adelaide de Araújo, foi casada com Afonso Silva, com quem teve uma filha por nome de Lucinha. Anésia foi presa por volta de 1925 e nunca mais se teve notícias dela, nem quando morreu e onde morreu.

A história mostra que a Bahia foi o Estado que mais teve representantes femininas nesse tipo de marginalidade dominada pelos homens.  E é nesse mesmo Estado e anteriormente a Lampião, em 1916 ou 1917, que surge uma personagem diferente das demais mulheres que acompanhavam os bandos de criminosos – Anésia Cauaçu. Ela tem seu protagonismo na cidade de Jequié e arredores, em um cenário sem lei quando se fazia justiça com as próprias mãos. Persistia a lei do mais forte, e quem não detivesse armas para sua própria defesa ou vingança, tornava-se fatalmente vítima e não teria a quem recorrer com um Poder Público incipiente e ocasional no sertão. Duas famílias da região da cidade de Ituaçu se rivalizavam: os Silva, denominados de “rabudos” e os Gondins, os “mocós”. O major Zezinho dos Laços, um dos líderes dos ‘rabudos”, exige que Augusto Cauaçu acompanhe seu grupo de jagunços em uma emboscada contra a família Gondin. Este se recusa e é assassinado a mando de Zezinho do Laços. Então a família Cauaçu se une para a tomada de vingança de seu patriarca, executando primeiramente o mandante da morte de Augusto. Concomitantemente, vários membros dos Cauaçus são assassinados.

Com as repetidas mortes de familiares, Anésia assumiu o protagonismo da luta por vingança e forma, com um grupo de cangaceiros, um movimento armado intitulado “Conflagração Sertaneja”. O governo da Bahia organizou um comando para desbaratar o bando, mas foram tocaiados no legitimo estilo de guerrilha quando os Cauaçus se dividiam nos vales pedregosos e áridos do sertão escondendo-se em grupos para tocaiar a força policial que teve de recuar depois de sucessivas baixas. Após obtidos reforços, os volantes abusavam da população por entender que os moradores estavam atocaiando os Cauaçus comandados por uma mulher: trucidavam crianças, enforcavam autoridades, violentavam mulheres.

Anésia então aparece com ares de encarnação da mulher forte do Nordeste. Desfruta de quase igualdade com os homens, fumando em público, bebendo cachaça, conhecendo os golpes de capoeira, e principalmente, manuseando com desenvoltura as armas de fogo. A história registra um feito simbólico: sentindo-se acuada, ela atirou a uma distância de 100 metros e decepou apenas o dedo de um sargento. Enquanto ele gritava e os soldados foram socorrê-lo, ela escapou. Isso lhe deu mais um aspecto de notoriedade, de exímia atiradora. Essa façanha foi registrada nos jornais da época e nasceu assim o mito da cangaceira praticamente imbatível.

Ela foi a primeira mulher na região a usar calças compridas e trocar o silhão pela sela comum e era seguida de lendas mais variadas. Uma delas, é que se “encantava”, ou simplesmente se tornava em outro ser, invisível. Certa vez, fugindo de soldados, saltou do cavalo e se escondeu numa gruta. Os soldados não viram quando ela pulou, e simplesmente acreditaram que sumira no ar, pois o cavalo continuou andando sozinho. Vasculharam as redondezas e não a encontraram, motivo para crer que se tornava invisível. Ela foi uma personagem lendária praticamente desconhecida entre os papéis femininos que permeiam o imaginário coletivo do cangaço brasileiro, formando um painel rico em detalhes e a valorização, embora por linhas tortas, da mulher como ser e não como objeto.

Nas décadas de 1920 e 1930, é Anésia a protagonista de maiores atrocidades, tudo em nome da “justiça”, a sua justiça. Anésia Cauaçu é descrita no romance de Domingos Ailton, também baiano de Jequié, que não se reporta ao cenário em que atuou, como enriquece sua história com esmerados recursos da ficção aliados à pesquisa histórica. Anésia Cauaçu é com certeza uma personagem intrigante na historiografia brasileira.

Anésia Cauaçu, uma mulher

Valentona que no início do

Século 20 lutava capoeira

Com destreza, bebia

Cachaça temperada em pé

No balcão das bodegas,

Fumava cachimbo de barro,

Atirava tão bem que

Conseguia decepar os dedos

Dos inimigos numa

Distância de 100 metros,

Galopava feito vento e foi a

Primeira mulher da Bahia a

Usar calças compridas para

Montar em cavalos.

Anésia era uma Cauaçu de fibra. Alta, esguia, olhos azuis, não tinha o porte da catingueira. Casada, mãe pelos menos de uma filha, viu-se envolvida nas lutas que se seguiram contra o bando de Zezinho dos Laços, Marcionílio e Tranquilino Sousa, além da própria polícia. Viu morrerem pais e irmãos, bem como vários membros de seu bando; viu também sua mãe ser presa e torturada, nem assim jamais se abateu. Nas lutas em que se envolveu, logo adquiriu fama de exímia atiradora, de pontaria melhor do que os homens do bando, capaz de acertar o dedo de um militar que apontava a seus comandados a direção onde estavam os Cauaçus, a mais de 100 metros.

Diz-se que Anésia foi presa por volta de 1916 e solta em seguida. Por volta de 1930, ao que se sabe, vivia na região de Ilhéus. Não se tem notícia da data de sua morte nem do que teria acontecido à sua filha.

Anésia passou a história como uma figura única de mulher, mãe e guerreira. Seu vulto histórico se amplia com o passar do tempo.

A história nacional contempla as mulheres no cangaço com acentuada curiosidade. Levando-se em conta a comparação entre a fragilidade natural feminina e o ambiente violento e hostil dos grupos que elas acompanhavam. A primeira percepção é a de que foram lutadoras imbatíveis nos ataques promovidos pelos bandos, mais isso não se constituiu regra. Elas surgiram junto aos bandoleiros que assolavam principalmente na região Nordeste entre as décadas de 1920 e 1930 e cultiva-se a ideia de que foram ousadas, companheiras fortes e lutadoras junto aos jagunços, mas não foi bem assim. A primeira mulher que surge no lendário popular é Maria Bonita. Embora Lampião tenha iniciado suas atrocidades após 1922, ela só aparece no cenário após 1930, já na Bahia e sua notoriedade foi mais pela beleza, personalidade forte, e por ser a mulher do rei do cangaço.

A ala feminina no cangaço, pelos menos ao que se vê na literatura, mostra-se menos expressiva do que a memória oral é capaz. Pelo que se sabe elas não participaram dos combates, atiravam ou andavam armadas “até os dentes”, é como o imaginário popular gostaria que fossem, para justificar o papel feminino num contexto de extrema violência. Uma das únicas “vantagens”, é que a motivação para entrada no bando tornava-se uma forma de protesto contra a família que as oprimia.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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