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Estevam Dedalus é sociólogo, doutor em Ciências Sociais, professor da UEPB, músico e compositor. [email protected]

Ambição, vaidade e poder

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publicado em 28/11/2025 ás 10h58
atualizado em 28/11/2025 ás 10h59

Estevam Dedalus

“Qual a melhor maneira de viver?” é a pergunta fundamental da Ética. Ela engloba ao mesmo tempo o problema da virtude e da felicidade. Entre os seres humanos a felicidade dificilmente pode ser separada da satisfação de necessidades primárias, como a alimentação, o repouso e o sexo. Isso, porém, parece ser muito pouco. As jiboias, por exemplo, depois que enroscam presas grandes, quebram seus ossos e as engolem, são tomadas por um torpor que pode durar meses.

De um modo semelhante os ursos polares do hemisfério norte se alimentam copiosamente durante o verão, entregando-se à letargia no inverno. Nossos desejos, entretanto, são mais diversos e plásticos e difíceis de serem saciados quando ultrapassam o estágio das necessidades básicas. O que é a vida boa? Quais os meios necessários para obtê-la? São perguntas filosóficas inexauríveis. Em grande medida, por causa da nossa capacidade de imaginação permitir a criação de realidades alternativas que renovam as expectativas de felicidade.

A aceitação, o reconhecimento e a admiração também são ingredientes importantes. A filósofa Hannah Arendt dizia que somos seres-no-mundo cuja existência também é aparência. Ser e parecer estabeleceriam uma relação simétrica, porque as coisas para existir precisariam ser percebidas.

Aparecer é mostrar-se para os outros dentro de certas circunstâncias históricas e sociais. O que nos faz inferir que a invisibilidade é uma ameaça à existência. Podemos imaginar, assim, por que a ambição por fama e admiração é impulso tão poderoso, capaz de produzir atos moralmente duvidosos.

O filósofo Bertrand Russell conta a história de um príncipe renascentista italiano que vivia às turras consigo mesmo, desde que deixou escapar a oportunidade que o colocaria para sempre nos livros de história. No leito de morte, ao ser indagado pelo padre se teria algum arrependimento, afirmou: “Sim, tenho. Recebi, certa vez, a visita do Papa e do Imperador ao mesmo tempo. Levei-os ao alto da torre pra apreciar a vista e deixei escapar a oportunidade de atirá-los lá de cima. O que me teria rendido fama imortal”.

Há quem prefira ser temido a amado. Maquiavel dizia ser mais seguro se impor pelo medo. Ele achava que as pessoas são naturalmente ingratas e egoístas, o que faria do temor uma arma politicamente mais eficaz. Os grandes conquistadores, guerreiros e valentões de escola devem ser incluídos nessa categoria.

O desejo de possuir alguma quantidade de poder é algo normal, mas quando em excesso pode gerar problemas graves. Tive um aluno na Faculdade de Direito que ganhou o apelido de Rei Sol devido a sua enorme prepotência. Às vezes agia como se fosse a reencarnação de Hans Kelsen, com a imaturidade típica de um aluno do primeiro período.

Milan Kundera conta a história da morte do filho de Stálin, que esteve preso num campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial ao lado de oficiais britânicos. O rapaz tinha o péssimo hábito de deixar a latrina cheia de excrementos, irritando sobremaneira os ingleses que não lhe deram nenhum privilégio por se tratar do filho do homem mais poderoso do mundo.

Certa vez ele ficou tão irritado e ofendido com a pressão dos oficiais ingleses para que limpasse a latrina que isso gerou uma briga, resultando numa audiência com o comandante da prisão. O rapaz fez um pedido, em vão, para que o alemão arbitrasse em seu favor. Profundamente humilhado com a ideia de limpar o próprio dejeto, praguejou algumas palavras em alto e bom russo atirando-se em cima de uma cerca elétrica.

Desse dia em diante acabaram-se todos os seus problemas com merda e oficiais ingleses.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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