João Pessoa, 26 de agosto de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Por que você escreve, pergunta-me a jovem repórter.
Todo escritor, ensaísta, poeta, uma hora ou outra, vê-se diante desta indagação. Cada um, a partir de seus critérios e a seu modo especial, responde de maneira diferente. Seja por isso ou por aquilo, nenhum consegue dar a resposta completa, definitiva, absoluta, perfeita. Até porque essa resposta não existe. Pelo menos para mim.
Um afirma que escreve para poder suportar a solidão em sua volta. A solidão e seus enredos mutilados, suas crateras existenciais, seus pântanos profundos. Outro sustenta que escrever é habitar o silencio das coisas ausentes, semear o solo adusto dos idiomas mortos, viajar por países imaginários ou pelos planetas perdidos dentro da alma.
Há de tudo que a fantasia permite no sabor das respostas mais variadas.
Gosto do assunto e vivo à cata de exemplos que, direta ou indiretamente, possam me ajudar na compreensão do ato de escrever. Ato que não dispensa – creio – a paixão, a disciplina, o cuidado, o ardor, a entrega face ao enigma sempre presente no miolo das palavras.
Muitos, dizem, escrevem para não morrer. Muitos, dizem, morrem quando escrevem. Esse dialoga com seus mortos e os elege à categoria de entidades sagradas; aqueles fazem do verbo um ritual de sedução ou uma tática simbólica para capturar as vísceras do outro.
Uma escritora de minha província não titubeou e disse: “Se não escrevesse, já teria enlouquecido ou matado muita gente”. Já seu companheiro de ofício, avesso aos vocativos das ações trágicas, assegura que escreve apenas para brincar com o som e o sentido dos vocábulos; que para ele, palavras são apenas utensílios do faz de conta, pérolas pequeninas de sua coleção imaginária.
Um velho poeta, barba lendária e ar de sábio ancestral, tenta me convencer que escreve seus poemas como se participasse de um rito de passagem e que escrever, para ele, é se fundir com a teia cósmica, pôr a cabeça cansada no colo dos astros e adormecer acariciado pela mão das nuvens ou pelo brando fogo das estrelas.
Fulano de tal, romancista premiado, acadêmico, membro de múltiplas instituições culturais, defende a ideia de que escreve porque ainda não se fez a obra melhor e que só a ele foi dada essa graça, só ele foi eleito pela assembleia dos deuses estéticos para cumprir esse raro e ditoso destino. Ele viria, segundo me assegurou, fazer o que não conseguiram fazer um Flaubert, um Saramago, um Gabriel Garcia Márquez, um Machado de Assis, um Guimarães Rosa.
Uns dizem que escrevem para fazer amigos; outros, porque desejam ser amados. Há quem diga que escreve para tentar perder o medo da morte, já que existe aquele que escreve porque imagina ordenar o caos insuperável da vida. Alguns insistem em escrever porque procuram roubar pequeninas faíscas da eternidade ou transformar a escrita na dança mágica da salvação.
Não conto, precisamente porque o número é imenso, aqueles que, ao responderem a dita pergunta, lançam mão das comparações mais bizarras. E quanto mais falam no calor das ocasiões, menos entendo, de fato, a razão do ato de escrever.
Escrevo poemas como quem apunhala o próprio coração e deixa o sangue verter suas imagens doloridas. Escrevo ficção como quem edifica a própria casa, tijolo a tijolo, misturando os diversos ingredientes de uma argamassa fantástica. Escrevo como quem reza; escrevo como quem luta; escrevo como quem ama; escrevo como quem varre o chão da linguagem, limpando toda sujeira de sua semântica vazia.
Escrevo por causa disso, escrevo por causa daquilo. Cada um tem a sua resposta. A minha, no entanto, é muito simples: Não sei por que escrevo.
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- 26/08/2025