João Pessoa, 13 de maio de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
Bacharel, Especialista e Mestre em Administração (UFPB/UNP). Mestre Internacional em Comportamento Organizacional e Recursos Humanos (ISMT – Coimbra/Portugal). Especialista em Neurociências e Comportamento (PUC-RS) e em Inovação no Ensino Superior (UNIESP). Membro Imortal da Academia Paraibana de Ciência da Administração (Cadeira 28). Professor universitário (UNIESP), consultor empresarial, palestrante e escritor best-seller da Amazon. E-mail: [email protected]

O silêncio que fala no Japão

Comentários: 0
publicado em 13/05/2025 ás 07h33

O McDonald’s do Japão surpreendeu o mundo ao lançar recentemente a campanha “No Smiles” (sem sorrisos), quebrando uma das tradições mais universais do atendimento: o sorriso. Durante décadas, a rede mantinha no cardápio uma cortesia simbólica chamada “sorrisos gratuitos”, reforçando a imagem de um atendimento sempre gentil e acolhedor. Mas com a ascensão da Geração Z no país, tanto como consumidores quanto como colaboradores, esse gesto passou a ser questionado e até rejeitado. O sorriso, antes sinal de hospitalidade, passou a ser percebido por muitos como forçado e artificial.

Para os jovens japoneses, sobretudo os que começaram a atuar nos bastidores das lojas, o “sorriso obrigatório” tornou-se uma forma sutil de opressão emocional. Em vez de transmitir leveza, carregava um peso de exigência estética que não condizia com seus valores de autenticidade. Não sorrir, naquele contexto, não significava atender mal, mas agir com verdade. Diante desse novo comportamento, o McDonald’s fez algo ousado: aboliu a exigência do sorriso e transformou essa mudança em uma poderosa ação de marketing.

A campanha, batizada de “No Smiles”, foi estrelada pela cantora e atriz Shimizu Ayano, cujo estilo introspectivo e expressão neutra representavam exatamente o oposto da estética sorridente que dominava a publicidade japonesa. A escolha foi intencional: conectar com uma geração que valoriza a coerência e a liberdade de ser como se é, sem máscaras. A música-tema da campanha viralizou rapidamente, ultrapassando 36 milhões de visualizações em apenas três meses.

O resultado foi mais do que uma explosão midiática. Em termos práticos, a campanha gerou um aumento de 115% nas candidaturas para trabalhar no McDonald’s Japão e levou à contratação de 105 mil novos funcionários, um recorde histórico para a rede no país. A marca conseguiu algo raro: uniu comunicação, identidade cultural e estratégia de recrutamento em uma única ação que respeita profundamente o momento social de seu público.

O que torna esse caso tão emblemático é a forma como a empresa abandonou um padrão global em favor da escuta local. Ao invés de insistir no velho protocolo de simpatia performática, o McDonald’s reconheceu que o cliente e o colaborador japonês não querem ser forçados a sorrir. Eles querem ser respeitados. E isso gerou identificação genuína, engajamento real e um posicionamento moderno para a marca.

No Brasil, o cenário é bem diferente. Aqui, o sorriso ainda é considerado símbolo de bom atendimento. Somos culturalmente afetivos e expressivos, e o “bom dia com sorriso” faz parte da experiência esperada. Mesmo a Geração Z brasileira, com toda sua postura digital e mais crítica, ainda valoriza interações com empatia e leveza. Um atendente muito sério pode ser visto como distante ou desinteressado.

Esse contraste entre as culturas mostra que estratégias globais só funcionam quando respeitam a diversidade de percepções. No Japão, parar de sorrir foi uma forma de se conectar com um valor fundamental: a autenticidade. Já no Brasil, sorrir continua sendo uma das formas mais potentes de criar vínculos imediatos com o público. Não há certo ou errado, apenas a necessidade de observar e adaptar.

O “No Smiles” virou um case de branding adaptativo e sensível às transformações sociais. Mais do que uma jogada publicitária, foi um sinal claro de que escutar é mais poderoso do que impor. A verdadeira inovação no marketing não nasce da genialidade isolada, mas da capacidade de traduzir em ações concretas aquilo que as pessoas realmente sentem e desejam.

Vivemos tempos em que o excesso de palavras e gestos ensaiados muitas vezes nos afasta da essência. Nesse cenário, as marcas que realmente se conectam são aquelas que escolhem a honestidade ao invés da performance. A Geração Z não está em busca de encantamento superficial, ela quer coerência entre discurso e prática.

Quando uma empresa percebe isso, ela deixa de simplesmente vender produtos e passa a ocupar um lugar mais profundo na vida das pessoas: o da confiança. O que o McDonald’s Japão nos ensinou com a campanha “No Smiles” é que, em certos contextos, a ausência de um sorriso não representa frieza, representa respeito. E essa escolha silenciosa, quando feita com consciência, comunica mais do que qualquer esforço publicitário. Para quem lida com gente, entender isso não é apenas estratégico. É humano.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB