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Estive pensando que faz uns 20 anos que não recebo uma carta. Talvez até mais. Falo, evidentemente, de carta mesmo, escrita à mão, em papel pautado fininho, dobrado com capricho e inserido naqueles envelopes brancos emoldurados por listas diagonais verde-amarelas.
Envelopes com as cores nacionais, bem entendido, para cartas do Brasil mesmo. As internacionais vinham em todo tipo de envelope. Falo com experiência própria, pois, por puro espírito de imitação dos meus irmãos e primos mais velhos, durante algum tempo, tive correspondentes internacionais. Além de ser moda na década de 1970, tinha a vantagem de receber os selos. Ajudava muito na coleção. Abrindo um parêntese, fico pensando como os atuais filatelistas perderam essa fonte. Mas, é assunto para outra crônica.
Recebida a carta, o destinatário procurava um lugar sossegado, rasgava cuidadosamente o envelope, e mergulhava na leitura das “mal traçadas linhas”. Momento de pura satisfação, receber notícias de pessoas queridas, parentes e amigos que moravam distante ou em viagem. Através da carta era possível matar saudades e enternecer-se. Não bastasse, ainda existiam as deliciosas cartas de amor.
A música brasileira reconheceu a importância das cartas na vida das pessoas. Cássia Eller encantou com ECT (música de Marisa Monte, Nando Reis e Carlinhos Brown):
“Tava com um cara que carimba postais
E por descuido abriu uma carta que voltou
Levou um susto que lhe abriu a boca
Esse recado veio pra mim, não pro senhor
Recebo crack, colante, dinheiro farto, embrulhado
Em papel carbono e barbante até cabelo cortado
Retrato de 3 x 4 pra batizado distante
Mas isso aqui, meu senhor, é uma carta de amor.”
Cartas serviam também para por fim aos namoros, noivados e casamentos, mesmo se tratando de uma certa covardia, pois, evitava-se encarar a pessoa que estava sendo dispensada. Precisamente o caso da canção de Moacyr Franco, imortalizada por João Mineiro e Marciano:
“Você me pede na carta
Que eu desapareça
Que eu nunca mais te procure
Pra sempre te esqueça
…
Ainda ontem chorei de saudade
Relendo a carta, sentindo o perfume
Mas que fazer com essa dor que me invade?
Mato esse amor ou me mata o ciúme”
Os compositores Aldo Cabral e Cícero Nunes emplacaram, nas vozes de Isaurinha Garcia, primeiro, e posteriormente, Vanusa e Maria Betânia, a expectativa, a incerteza , em “Mensagem”:
“Quando o carteiro chegou,
E o meu nome gritou,
Com uma carta na mão.
Ante surpresa tão rude,
Nem sei como pude
Chegar ao portão.
Lendo o envelope bonito,
No subscrito eu reconheci,
A mesma caligrafia, que me disse um dia:
Estou farto de ti.”
É, a carta servia para tudo mesmo. Em regra, levava três a quatro dias para chegar depois de postada, exceto, é claro, quando vinham de muito longe. O imediatismo do correio-eletrônico e da mensagem de texto tornou, certamente, o mundo mais ágil. Mas, subtraiu de nós o romantismo da carta. Deve ser o tal progresso.
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"INCLUSÃO DIGITAL" - 03/11/2025