João Pessoa, 08 de maio de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Era um sábado de manhã no bairro do Bessa, em João Pessoa. Carla, recém-formada em nutrição, esperava o pão sair do forno enquanto observava a movimentação da padaria. Notou que, além dos tradicionais pães e bolos, muitos clientes perguntavam por produtos sem glúten e opções integrais. A atendente, simpática, repetia com pesar: “Infelizmente, ainda não trabalhamos com isso.” Naquele instante, Carla percebeu que havia uma oportunidade bem diante dos seus olhos, e do lado de casa.
Quantas “Carla” vivem espalhadas pela Paraíba, carregando ideias, diplomas, habilidades e desejos que poderiam se transformar em negócios reais? E quantas dessas pessoas adiam seus planos por acharem que empreender exige algo inédito, disruptivo, como se fosse necessário reinventar o mundo para começar?
A verdade é que, muitas vezes, boas ideias não estão no futuro, mas no presente. Não estão em laboratórios distantes, mas nas calçadas que percorremos todos os dias. Empreender com os pés no chão e os olhos atentos ao cotidiano pode ser o diferencial. Esse é o chamado empreendedorismo de proximidade, um movimento cada vez mais visível nos bairros urbanos, nas cidades do interior e nas periferias que ainda carecem de serviços, soluções simples e experiências qualificadas.
De acordo com o Sebrae, negócios de bairro apresentam uma das maiores taxas de fidelização de clientes. Isso porque trabalham com vínculo, confiança e reconhecimento. Além disso, têm menor custo de aquisição de clientes e surgem, quase sempre, a partir da escuta ativa da comunidade. É observando o que falta que muitos empreendedores constroem o que vai fazer a diferença.
Foi assim com seu Zé, morador de Campina Grande, que transformou o quintal da casa em uma oficina de conserto de eletrodomésticos. Ele percebeu que a loja do centro demorava semanas para entregar um ventilador consertado, e decidiu oferecer um serviço rápido e confiável na vizinhança. Em pouco tempo, virou referência no bairro. Foi assim também com Neide, em Bayeux, que começou a vender marmitas saudáveis depois de ouvir colegas da igreja reclamando da dificuldade de manter uma alimentação equilibrada durante a semana.
Esses exemplos mostram que nem sempre é preciso inventar algo novo. Às vezes, basta prestar atenção no que já existe, e no que está faltando. A escassez, quando olhada com criatividade e compromisso, pode virar solução. Pode virar negócio. Como dizia Peter Drucker, “o empreendedor sempre busca a mudança, responde a ela e a explora como uma oportunidade”. Mas essa mudança nem sempre vem com um letreiro iluminado. Ela pode estar na conversa com o vizinho, na fila do mercado, ou na ausência de um produto na prateleira.
O desafio está justamente em ver o que outros ignoram. Em transformar rotina em chance. Em tratar o comum com olhos de quem percebe valor. Em vez de buscar fórmulas milagrosas ou negócios que pareçam grandiosos no papel, talvez o verdadeiro diferencial esteja em construir algo com significado real para a vizinhança, para a rua, para a comunidade.
Muitos negócios de bairro nascem assim: de uma necessidade simples, de uma escuta atenta, de um gesto de cuidado. E é esse tipo de empreendimento que tende a durar, porque se ancora em relações autênticas, não em promessas vazias. O comércio local, quando bem cuidado, vira ponto de encontro, rede de apoio, espaço de transformação.
Empreender no seu próprio bairro vai além de montar um negócio. É um gesto de pertencimento, uma forma de transformar o cotidiano da comunidade com soluções que nascem do cuidado. É dizer, com atitudes, que você acredita no potencial daquele lugar e escolhe investir nele como quem planta raízes e constrói futuro.
Então, que tal dar uma volta no seu próprio bairro, não apenas com os pés, mas com os olhos de quem quer enxergar? Talvez a próxima boa ideia esteja ali, disfarçada de ausência. Talvez o que falta na vizinhança seja exatamente aquilo que você sabe fazer. E talvez seja agora a hora de começar
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BOLETIM DA REDAÇÃO - 08/05/2025