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Paraibano da Capital. Tocador de violão e saxofone, tenta dominar o contrabaixo e mantém, por pura teimosia, longa convivência com a percussão, pandeiro, zabumba e triângulo. Escritor, jornalista e magistrado da área criminal do Tribunal de Justiça da Paraíba.

Tamarindos e castanhas

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publicado em 06/05/2025 ás 07h29

Sábado passado, dia 3 de maio, por iniciativa do Professor Milton Marques Júnior, foi instituído o Dia Augusto dos Anjos, na Academia Paraibana de Letras. Alguns imortais fizeram-se presentes, inclusive o atual Presidente, Ramalho Leite.

Aplausos de pé, para a Academia e para o Professor Milton. Augusto dos Anjos merece toda a reverência e muitas homenagens. Mas a Paraíba… Ah, a Paraíba. Nunca vou entender essa resistência, esse pudor , essa economia que temos em reconhecer os nossos valores, em carregá-los em andores , por mais que mereçam.

Parece-me que até a Universidade não lhe dá o devido valor. Até onde sei, quem alisa os bancos no Curso de Letras, visita Augusto de passagem, e , também de passagem tem visão panorâmica de José Lins do Rego, José Américo, Ariano Suassuna. Não vou nem falar em outros escritores menos conhecidos da nossa terra. Na Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG , só para citar um exemplo, os autores mineiros são endeusados. Há um bairrismo positivo. A própria universidade se encarrega de conservar os acervos, as notas, os manuscritos, as edições raras, os objetos pessoais , dos escritores locais. Até a bateria na qual Fernando Sabino tocava Jazz , está lá, conservada, pronta para ser tocada.

Não vejo nada parecido por aqui. Augusto dos Anjos dá nome a uma galeria, que liga a Av. Duque de Caxias à Praça 1817. A Maçonaria rendeu-lhe homenagem fundando a Loja Maçônica Augusto dos Anjos, há pouco mais de 50 anos. Só dois poetas dão nome a Loja Maçônica no Brasil, Augusto dos Anjos e Castro Alves. Salvo engano, há uma rua na nossa Capital com o nome do poeta. Só. Mais nada.

No campo da poesia, não há ninguém maior que Augusto no Brasil. Opinião que vale, não por ser minha. Conheço meu lugar. Mas, a crítica – falo da crítica literária legítima e competente, e não de alguns medíocres , adeptos da análise rasa – consagra Augusto e o coloca nesse patamar: único , inigualável.

A Academia Paraibana de Letras andou muito bem em promover esse dia. O evento em si, excelente. Quem era poeta declamou, quem era da crítica fez análise da poética augustiana , quem era da música, musicou e cantou poemas. Sim, Chico Viola empunhou o instrumento e apresentou três poemas de Augusto, devidamente musicados.

Na área externa da Academia, há um pé de tamarindo em crescimento, plantado que foi na posse do professor Milton. Ao lado dele, o poeta Johnny de Araújo Formiga postou-se e começou a declamar , para deleite dos presentes, “Vozes da Morte” . Momento solene e emblemático, embaixo do tamarindo, ouvindo um poema de Augusto. De repente, provavelmente saído das profundas , estaciona imenso carro de som, com todos os auto-falantes no máximo, anunciando as “Castanhas do Almeida” . Quentinhas e saborosas. Não se ouviu mais nada, além do pregão do Almeida.

O carro não se contentou em apenas passar . Parou em frente a Academia e demorou-se alguns longos minutos, enaltecendo , em volume ensurdecedor, as qualidades das castanhas.

Quando o carro dignou-se a ir embora, o bravo poeta Johnny temperou a garganta, reiniciou a declamação, e pode concluí-la, recebendo os reconhecidos e merecidos aplausos. Retornamos para o interior do prédio, e a sessão seguiu em paz.

Em paz? Qual o que? Almeida é insistente , rodeou o quarteirão e retornou , atrapalhando outra vez.

Numa avaliação tolerante, posso entender que Almeida estava apenas tentando ganhar a vida, o pão de cada dia. Mas, caso encontre-o pelas ruas do Centro, não vou comprar suas castanhas.

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