João Pessoa, 24 de agosto de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
De noite, a casa em silêncio, na travessia do quarto para a cozinha, as portas ainda estão abertas, (fechadas apenas as grades), sinto o cheiro de jasmim como uma brisa, uma coisa do outro mundo, quase a insustentável leveza de Millan Kundera.
Penso na poesia de Drummond: “Tem gente que tem cheiro/ de colo de Deus/ de banho de mar/ quando a água é quente e o céu é azul” e o poema fica mais bonito quando exalado, declamado, depois de um banho com antiga lavanda inglesa, que eu adoro.
No sertão, a seca, o xique-xique, a dor, a saudade; pedras e mato, o açude sangrando, nunca senti cheiro igual ao jasmim da varanda da nossa casa, uma varanda com suas histórias bonitas, outras vezes repetida, que não existem mais.
Imagine o que um cão não sabe através dos olores/odores, a maneira de chegar perto da gente, beijar as pernas, o faro, sua comida, ele balança o rabo e faz uma cena para mostrar que está feliz, satisfeito, coisa que os gatos não fazem.
Penso das poucas vezes que li Jung não tenha sido a primeira sensação que tive acerca do cheiro, do poder do cheiro. Com o autor de ´Memórias, Sonhos e Reflexões´ (autobiografia escrita com Aniela Jaffé), aprendi ser o olfato o sentido que mais remete à memória. É demais, viu?
Desde então, me acostumei a simular um assalto a geladeira, um copo d´água, sei lá, que comecei a ler o mundo também pelo aroma que vem do pé de jasmim – são três cercando nossa varanda
Ligado desde cedo no universo literário, senti ratificado em vários autores, essa força poderosa dos olores. O cheiro do sexo é marcante, seja das secreções que jorram, seja do corpo de quem está conosco. Acho mesmo que o homem se apaixona não porque a mulher é feia ou bonita, ou por qualquer outra característica, o homem se apaixona pelo cheiro da mulher.
Pablo Neruda, no belo “Confesso que Vivi” logo no início, fala do cheiro da chuva. Tem várias canções do Caetano que falam dos cheiros, cor de laranja, azul rosa chá, a menina e a seda azul que cobre a maçã no vagão do trem das cores – uma menina preta de biquíni amarelo, na frente da onda ou você não vai me reconhecer quando eu passar por você.
Essa coisa de cheiro é tão forte.
Lembrei do cheiro da fruta Jatobá, (a cidade que nasci) a fruta estranha e hoje eu mando um abraço pra ti, para o jardim de Dona Zita, que tinha um pé de laranja de tão intenso cheiro, que era irresistível não roubar o fruto; as groselhas de Dona Celina, a rosa Amélia de D. Maria Eulália (mãe de Vandinha) e todas as mulheres gostam de rosas da canção de Ana Carolina.
A literatura é cheia de cheiros. Talvez seja Proust o padroeiro do olfato. Ele ensina que a nossa memória está fora de nós: no cheiro do quarto abafado, no olor exalado ao cair da chuva, na fruta descascada, e por aí vai.
Outro dia declamei Gonçalves Dias, a imensidão do poema ´Canção do Exílio´, da sua casa, da minha casa que tem palmeiras, onde canta o sabiá.
Não posso esquecer da Lavoura Arcaica, do Raduan Nassar, com o ´cheiro avinagrado´. Cheiro que lembra os olores de fumo e alho exalados pelo corpo de um personagem. Tem mais cheiro a seguir, mas vamos ficar por aqui.
Então, rebobinando ‘Perfume de Mulher´ (foto) de Martin Brest, 1993, sei que é definitivamente um filme interessante para mim. Até domingo.
Kapetadas
1 – O ser humano não teme a morte; ele teme estar sem celular quando alguém famoso morre.
2 – Provador de pinga virou cachacier´´. Mas o francês na língua não elimina o bafo na boca.
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