João Pessoa, 20 de setembro de 2024 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Não, não teve. Sem tirar o mérito dos eleitos à lista sêxtupla e que estão de parabéns, o fato é que tudo continua dentro da mesma caixinha acolchoada de antão no fundo do baú.
Providencial! A advocacia paraibana se salvou e de quebra livrou o Tribunal de Justiça que agora respira aliviado. O ar conservador e elitista entra pelas suas narinas e conforta o breve desconforto provocado pela ousadia de Dra. Chica Leite. Ufa, que perigo!
Não vou dizer que vi duas máquinas governamentais azeitadas a todo vapor para eleger os seus queridinhos; não vou dizer que testemunhei o poderio econômico corrompendo a lúdica e animada advocacia jovem; Deus me livre de falar que as famílias tradicionais pessoenses tenham se plantado em frente do Clube Cabo Branco em desespero e destempero em busca de um voto qualquer para os seus apaniguados.
Como assim? O que houve? Nem é preciso desenhar. Todos sabem que a cúpula do Poder Judiciário brasileiro é formada, majoritariamente, por homens brancos. Homens e mulheres brancos. Nunca houve nem haverá diversidade. A aproximação do Poder judiciário com a massa da população brasileira ocorre de cima para baixo. No julgamento e no encarceramento do povo preto e pobre.
O Tribunal de Justiça da Paraíba, por exemplo, tem cento e trinta anos de existência. Mais de uma centena de existência comandado por homens brancos. Raríssimos homens negros. Poucas mulheres, nenhuma mulher preta. Em cento e trinta anos! Palmas para essa democracia!
Não me venham dizer que a questão se passa pelo prisma da meritocracia. Quando, meu Deus, filhos de brancos e de pretos partem das mesmas condições, ao ponto de concorrem em igualdade de oportunidades? Se você acredita nisso, ah tá!
No âmbito dos representantes da advocacia paraibana nos Tribunais, nunca, jamais uma mulher preta concorreu à lista sêxtupla. Pasmem. A segregação é real, é histórica, é cultural, artificialmente fabricada paras ser assim mesmo.
Salvou-se também o governador do Estado. Não terá mais a pressão de movimentos sociais exigindo a escolha de uma advogada preta nos quadros da desembargadoria. O filtro promovido pela advocacia, a guilhotina que se seguirá no TJ deslocará a briga para a arena das suas cercanias. Será caseira, bem caseira, quase fraticida. Que espetáculo!
Salvaram-se por um triz. Por exatos 348 votos, Dra. Chica Leite não compõe a lista sêxtupla pelo quinto constitucional da OAB-PB. Para uma campanha modesta, sem recursos, sem ter a máquina pública ao seu favor, sem ostentar o nome de famílias tradicionais, sem ter no sangue a tinta vermelha – ou azul (sei lá) que corre nas veias de juízes e desembargadores, sua votação foi espetacular, simbólica, ousada. É norte que aponta para o futuro, afrontando-o.
Sim. 1.385 votos, bem votada do sertão à capital. Candidatura orgânica, íntegra. Você foi uma guerreira, deixou exemplo. É uma inspiração. Ninguém mais dirá que nunca uma advogada preta se candidatou à composição da lista sêxtupla pelo quinto constitucional da OAB-PB. Que os elementos e as relações do sistema fiquem com vergonha. Você não!
Agora, repouse, você saiu dessa campanha bem maior do que entrou. Considere-se – e isso foi fato – a mais bem votada de todos os que correm por fora do sistema. Você aprendeu muito. Sabe quem lhe traiu, sabe quem lhe foi fiel, conhece as covardias e a força da verdade.
E o sistema… Ah o sistema é peso, uma balança de braços desmantelados e corrompidos. O sistema é porco e venal, além disso tem o canto mavioso das serpentes a lhes compor as narrativas. Põe-se a postos, com suas elucubrações e todos sabem que as urnas são muito sensíveis às confabulações e a outros jogos do poder. Tudo é cena!
E o cargo disputado é essencialmente político, ainda que travestido de lantejoulas da meritocracia. Como uma preta ousa a disputar votos com os bem nascidos do ventre viciado do sistema?
Como você, Dra. Chica Leite. Por isso, agigantou-se. Meus parabéns.
@professorchicoleite
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