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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Na casa do primo rico

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publicado em 15/03/2024 às 07h00
atualizado em 14/03/2024 às 18h20

A mala era quase maior do que eu. Duas mudas de roupa e uma rede branca com cheiro de mãe. No mais, somente vento e sonhos. Aos catorzes anos, me esforçara para deixar a roça e me aventurar  na minúscula Uiraúna, uma cidadezinha do alto sertão da Paraíba.

Papai cedera aos meus caprichos três anos antes.

Eu já tinha alguma experiencia, afinal, em um ano e meio, já havia deixado a zona rural e passado pelas casas de Zé Leite, Toinho, Pedro Dudu e Macena. Em 1975 chegara, meio à deriva,  na casa de um primo de segundo grau, gente ricaça da cidade.

Que contradição! Que destempero! Só papai, um homem analfabeto de mais de setenta anos, acreditava na possibilidade de aquilo prosperar. A casa era enorme,  a comida, boa de doer no céu da boca, mas inapropriada para quem vivia à margem da vida citadina. Ademais, havia uns requififes que eu não sabia decodificá-los.

A mala foi alojada na despensa, um quarto mofado nos fundos da casa, na parte externa, após um corredor comprido e escuro. Puseram-me para dormir na sala da frente em uma rede branca, varandas balançando. Minha mãe era muito precavida.

À noite, o inferno começava. O sanitário que me fora reservado ficava ao lado da despensa. Eu preferia morrer  de bexiga cheia a me aventurar naquele corredor sombrio, cheio de almas e outras sutilezas escondidas.

Como os ricos fazem festas! Nessas noites, eu não dormia. Não tendo o traquejo social para me imiscuir no meio dos convidados, todos  muitos fedidos a fidalguia da cidade, eu ficava vagando dentro da casa, como essas nuvens magrinhas sem rumo, perambulando sem tino no céu azul. Os ponteiros dos relógios noturnos eram preguiçosos. A algazarra dos convidados não queria fim. Às sete horas da manhã eu teria aulas na quinta série do colégio Estadual.

A vida era assim, rezando para não haver festas na casa, mas um dia, a princesinha do primo nasceu. Todas as comemorações foram, merecidamente, oferecidas à bebê. No outro semestre, porque eu sempre fora estorvo inoportuno e mal cabido, o primo não me aguentou e, com um bilhete muito educado para papai, me convidou a deixar a casa dele. Ufa!

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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