João Pessoa, 10 de dezembro de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro

ÚltimaHora
orgão especial da corte

Tribunal de Justiça derruba norma que afrouxou Lei do Gabarito, em João Pessoa

Comentários: 0
publicado em 10/12/2025 ás 16h32
atualizado em 10/12/2025 ás 17h26
Foto: Reprodução

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça da Paraíba declarou, na tarde desta quarta-feira (10), a inconstitucionalidade da norma proposta pela Prefeitura de João Pessoa que modifica as regras da Lei do Gabarito, responsável pelos limites de altura e ocupação dos prédios na orla marítima da capital paraibana. Depois do pedido de vista, o julgamento foi retomado com o voto do desembargador Joás de Brito que julgou a lei inconstitucional.

“Essa flexibilização de padrões urbanísticos e ambientais, de fato, configura um manifesto indiscutível retrocesso, fulminando o postulado da proibição do retrocesso ambiental, que decorre da interpretação sistemática dos direitos fundamentais e se impõe ao legislador no sentido de progressividade de tutela socioambiental, representando a diminuição do nível de proteção ambiental e paisagística que historicamente caracteriza a Orla de João Pessoa e que encontra guarida na Constituição Estadual”, examinou o desembargador.

“Como deveras sabido, a competência municipal para legislar sobre uso e ocupação do solo, embora autônoma, não é absoluta. Deve ser exercida em harmonia com as normas estaduais e federais e, sobretudo, em conformidade com o dever de progressividade na proteção ambiental”, complementou o magistrado.

Joás, porém, divergindo do relator da ação, Carlos Martins Beltrão, desconsiderou que a Lei de Ocupação e Uso do Solo (LOUS) não foi debatida, avaliando que a proposta foi “amplamente discutida” com movimentos sociais e especialistas da área ambiental.

Em seguida, o desembargador Aluízio Bezerra Filho, que também pediu vista, seguiu o entendimento de Joás de Brito e também rejeitou a tese de que a LOUS não foi dialogada com a sociedade civil. No entanto, entendeu que a norma da Prefeitura de João Pessoa é inconstitucional, mas votou para manter os alvarás das construções dos prédios expedidos até a data da publicação do acórdão.

Com base no argumento do colega, o desembargador Márcio Murilo da Cunha Ramos mudou o seu voto quanto ao vício formal e reconheceu que a lei foi municiada de “muitos detalhes e muita participação popular”.

“Ele [o desembargador Aluízio Bezerra Filho] citou cinco ou seis atos populares que eu desconhecia. E me convenci que não há vício formal”, citou Márcio Murilo.

Por fim, o desembargador João Batista Barbosa se absteve de votar por não ter presenciado o voto dos demais desembargadores que compõem o Colegiado.

Como votou o relator da ação

O relator da ação, desembargador Carlos Martins Beltrão, votou pela inconstitucionalidade da lei. Além dele, foram favoráveis ao pedido do Ministério Público da Paraíba os desembargadores Márcio Murilo da Cunha Ramos, Saulo Benevides, João Benedito da Silva, Carlos Eduardo Leite de Lisboa, Leandro dos Santos, Oswaldo Trigueiro do Vale Filho, Francisco Seráphico, Ricardo Vital de Almeida, Túlia Neves e o presidente do TJPB, Fred Coutinho.

“A norma impugnada ao flexibilizar a proteção ambiental da zona costeira, cosubstancia uma afronta direta aos preceitos constitucionais que impoem o direito de defender e presevar o meio ambiente, bem como o princípio da vedação do retrocesso socioambiental. A atuação deste Tribunal de Justiça é imperativa para reestabelecer a ordem e garantir a prevalência do interesse público ambiental sobre interesses particulares”, declarou o relator da ação Carlos Martins Beltrão.

“A flexibilização dos gabaritos de altura pela Lei Complementar, em comparação com o regime anterior estabelecido, representa uma clara e inaceitável involução no patamar de proteção ambiental da Orla de João Pessoa. A alegação das requeridas de que o princípio da vedação do retrocesso não é absoluto, embora correta em tese, não se aplica para justificar a precarização da proteção ambiental sem a demonstração de um interesse público superior ou justificado por tal medida”, afirmou Carlos Martins.

Segundo a votar, o desembargador Francisco Seráphico criticou a falta de debate sobre a matéria na Câmara Municipal de João Pessoa e apontou que é inadmissível violar a Constituição Estadual, afirmando haver um “retrocesso ambiental” se a norma fosse mantida.

O desembargador Ricardo Vital de Almeida também afirmou que a Lei proposta pelo prefeito Cícero Lucena (PP) é inconstitucional. A desembargadora Túlia Neves disse que hoje é um dia histórico para o Poder Judiciário citou as músicas ‘Porta do Sol’ e ‘Homem Primata’ para criticar o que chamou de danos ambientais com o texto aprovado pela Câmara Municipal e sancionado pelo prefeito.

A decisão atende à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB). O MP entende que a norma apresentada pela Prefeitura e aprovada pela Câmara sobre o uso do solo em João Pessoa fére a Lei do Gabarito, presente na Constituição do Estado e abre precedente para o afrouxamento da legislação que preserva o meio ambiente e o diferencial qualitativo da faixa litorânea da cidade.

“Inaceitável retrocesso”

O procurador-geral do Ministério Público, Leonardo Quintans, avaliou, no primeiro dia do julgamento, que a norma proposta pela Prefeitura de João Pessoa “promove um inaceitável retrocesso ao processo ambiental”.

“Sob o pretexto de regular o uso e ocupação do solo, institui um grave atentado a ordem constitucional, ao patrimônio paisagistico da capital e ao futuro da nossa zona costeira. A norma pugnada padece de vícios insanáveis que maculam tanto sua forma, como sua substância”, revelou.

O procurador avaliou, ainda, que artigos presentes na Lei do Uso do Solo da Capital vão de encontro à Lei do Gabarito, ao admitir que a altura seja contabilizada até o piso do último andar e não do teto, o que possibilitaria, segundo o MP, um pé direito duplo.

“Resta que a lei padece de dupla insanável incostitucionalidade, formalmente, por violar o princípio da gestão democrática das cidades, materialmente por promover ações legislativas e administrativas voltadas a flexibilizar severamente situações consolidadas de proteção ambiental estabelecidas legitimamente por constituição estadual e pela legislação. O Ministério Público reitera a integral improcedencia dessa ação direta de incostitucionalidade”, concluiu.

Câmara de João Pessoa rebate MP

O procurador-geral da Câmara Municipal de João Pessoa, Rodrigo Farias, contrapôs Quintans e afirmou que a Lei Complementar nº 166/2024, que institui o novo Plano Diretor da capital, não promove retrocesso ambiental.

“A proteção ao meio ambiente é um tema que une a todos. Une a Câmara Municipal, o municipio, Ministério Público, o Tribunal de Justiça. A lei impugnada nessa ADI, não altera o limite estabelecido na constituição. Essa lei preserva integralmente os limites constitucionais, não temos retrocesso ambiental em virtude dessa correção legislativa”, afirmou Rodrigo.

“Aqui eu faço um testemunho de quem participou, de quem viu as últimas alterações nessa cidade do Plano Diretor. Essa foi a alteração do Plano Diretor de João Pessoa com maior participação popular da história. Foram feitas mais de 200 audiências, foram feitas 14 reuniões temáticas. Esse processo foi para Câmara de João Pessoa, na Câmara foi realizada uma Comissão Disciplinar, que eu fiz parte”, acrescentou.

Norma mais rígida

Responsável por representar a Prefeitura de João Pessoa no julgamento, o procurador Sérgio Dantas garantiu que a norma questionada pelo Ministério Público da Paraíba é mais restritiva do que está previsto na Lei do Gabarito e defendeu que a ação seja rejeitada. 

“O município de João Pessoa tem uma norma mais protetiva. Fazer uma comparação dessa norma com um decreto de 2021, é uma comparação que naõ pode ser feita juridicamente dentro de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade.”, defendeu.

Dantas afirmou, ainda, que caso a Lei seja derrubada, poderá haver um prejuízo econômico à cadeia produtiva e setores que são beneficiados diretamente com a construção dos prédios. Segundo o procurador, 121 licenças foram emitidas com base na Lei questionada.

“Eu estou aqui fazendo a defesa dos interesses dos municípios, os interesses dos municípios não passam pelo interesse do empreendedor que tá fazendo a construção somente. Passa também por todas as habitações que foram construídas, aquele pai de família que poupou, comprou um prédio e agora não tem a certeza se ele vai ser entregue ou não vai. Preocupação do vendedor de tapioca se vai ter mais turistas ou menos turistas em João Pessoa se beneficiando das unidades que poderiam ter sido entregues”, declarou Dantas.

Sinduscon alerta para “pandemônio”

O Sindicato da Indústria da Construção Civil de João Pessoa (SINDUSCON-JP) reforçou, nesta quarta-feira (15), durante julgamento no Tribunal de Justica da Paraíba, que a revogação da lei que “afrouxa” o limite de altura para construção de prédios na Orla de João Pessoa vai aumentar a “insegurança jurídica” e causar um “verdadeiro pandemônio’ no setor da construção civil.

“Uma declaração aberta de incostitucionalidade de toda lei traz uma verdadeira insegurança jurídica para o município. Então vai se criar esse verdadeiro pandemônio, essa situação sem regulação, quem construiu o flat com a quantidade de garagem permitida por essa lei terá que desfazer os flats, comprar terrenos adjacentes para aumentar vagas. Aquele que instalou o comércio onde foi por essa lei permitido vai ter que fechar as portas, porque a revogação dela vai tirar essa classificação de ocupação”, disse Valberto Azevedo, advogado do sindicato.

Em manifestação, o advogado ainda pediu o desprovimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), mas solicitou, se eventualmente ela for aceita “que seja delimitada ao artigo controvertido e não a toda lei em razão dela tratar de múltiplas questões”.

Wallison Bezerra, Gabriel Albuquerque e João Pedro Gomes – MaisPB