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José Nunes da Costa nasceu em 17 de março de 1954, em Serraria-PB, filho de José Pedro da Costa e Angélica Nunes da Costa. Diácono, jornalista, cronista, poeta e romancista, integra a Academia Paraibana de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, a União Brasileira de Escritores-Paraíba e a Associação Paraibana de Imprensa. Tem vários livros publicados. Escreveu biografias de personalidades políticas, culturais e religiosas da Paraíba.

Xô, passarinhos!  

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publicado em 09/12/2025 ás 20h50
 
         José Nunes
Termino a leitura da crônica de Gonzaga Rodrigues com as lembranças dos canários e galos-de-campina do meu Tapuio, que pousavam no mulungu, voavam para as folhas do pé de coco-catolé e terminavam na pitombeira. Sempre em algazarra e saltitantes, gestos estes que não me saem da lembrança.
Algum tempo depois, jovem com trajetos de caboclo brejeiro, andava pelas ruas desta cidade olhando o chão. Detinha-me no aconchego das praças. Repousava o pensamento escutando pássaros. Admirava as árvores e as flores que soltavam perfume. As estátuas de estranhas personagens levavam-me a lugares distantes.
O cronista-mor ressaltava os encantos da praça, com a imponência da estátua do Barão de Rio Branco, servo revelado na admiração ao Imperador Pedro II, a quem serviu com denodo. Para enaltecer o monarca deposto, produziu uma das mais belas mensagens de saudade.
Trabalhando ali perto da praça, embriagado pelas paisagens e descobertas do mundo literário que a cidade proporcionava, jovem recém-chegado do interior, eu admirava a grandiosidade daquela figura de olhar estático, logo se dando conta de quem se tratava. Em outra praça, ali perto, em frente ao Palácio do Bispo, levantava os olhos para admirar a imponência da escultura do presidente da Paraíba Álvaro Machado.
Tempo depois identifiquei as duas personalidades das velhas estátuas.
Confesso que demorava observando a pequena herma de Augusto dos Anjos no Parque Solon de Lucena, à época escondida entre os carros e barracas. A lenta aproximação ao poeta, em décadas anteriores a passagem do século, revelado nas conversas depois do expediente na redação de O Norte, em botecos nos arredores da Lagoa, sempre regada a cerveja, fizeram-me cativo de sua poesia.
Durante as caminhadas, no retorno do trabalho ou alimentado pelas lembranças do meu tempo de adolescente, sorumbático, no desespero, arrolava pensamentos que despareciam quando, escutando os arroubos de pardais, sossegava o ímpeto de lançar a rede para capturar um afago.
Despercebido, mantinha-me ao pé de Augusto. Vassalo a se curvar diante de sua poesia, apesar de lembrar de uns poucos versos que caíram no gosto do leitor comum, como este: “A minha sombra há de ficar aqui!”
Quantas vezes, que não foram poucas, à boca da noite, caminhando sorrateiro pelos caminhos de Tambiá, topava com bêbados – porque não existia tanta gente mendigando pelas ruas – usando a estátua como se fosse uma moita de mato.
Os anos passaram e continuamos a nos aproximar de Augusto. Do tamarindo que agasalhava o busto do poeta maior, impercebível, resta a marca do tronco e o resultado do vandalismo.
Quando a Paraíba revelou Augusto para o mundo, era o tempo de quando os heróis de outras paisagens ganhavam espaço nas mentes dos paraibanos. Chegou a hora do poeta que cantou a dor da alma, dando uma dimensão de grandeza a poesia, receber por parte do poder público aquilo que seus leitores já fizeram, o justo reconhecimento da sua grandiosidade.
Esse tardio reconhecimento em forma de estátua do tamanho do seu merecimento, que possa ser observada à distância, marcando os caminhos e encruzilhadas da vida deste luminar da poesia universal.
No clima temperado de tantas primaveras, em redor da sombra do poeta Augusto dos Anjos, com seus pau-d’arco amarelos e brancos, suas cássias, os flamboyants e jambeiros que atapetavam ruas e o parque, o poeta fala no seu silêncio.
Em tempos passados foram erguidas estátuas de personagens da História, de caras enfarruscadas, que pouco conhecemos suas trajetórias.
Quanto ao poeta Augusto, que fez da sua a nossa dor, ainda aguarda a imortalidade visível no mármore. Uma estátua do tamanho de sua importância para a Poesia Universal.
Nunca mais assistimos o espetáculo dos anônimos pássaros a pousar em sua cabeça. Aves dolorosas “como vulto lúrido” mutilavam o poeta que agonizava com os pássaros agourentos a rodar. Xô, passarinhos

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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