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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Caetano

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publicado em 05/11/2025 ás 07h00
atualizado em 05/11/2025 ás 08h18

 

Caitano se meteu pras bandas de Lucena e diz que só sai de lá para o bucolismo e a paz eterna do belo e delicado cemitério da Igreja da Guia.

Quem cantou Lucena foi o poeta Américo Falcão. Sei que Beethoven andou por lá. Quem mora lá é Paulo Ró, que, além de saber do sossego da preamar, dos solfejos encantados dos siris e caranguejos, faz a melhor música do mundo. Música marcada pelo nervo do ritmo, pela letra que veste a cambraia da poesia.

Conheço Caitano faz algum tempo. Divide, comigo, as luzes intensas das Enseadas do Sol, e muitas outras coisas e fenômenos da vida.

Às vezes, histórias de navios que naufragaram, levando, para o fundo do mar, o apetite nunca saciado dos homens que amaram mulheres de cais e porto. Às vezes, o sonho de almirantes que perderam o rumo por causa dos bamboleios de certa morena. Às vezes, porque o sertão, donde ele veio para se jogar no mundo, tem uma didática feita de sol, severidade, coragem e beleza.

Caitano foi discípulo do Padre Rolim como todo sertanejo que se preza!

Educar é um verbo que ele conjuga a toda hora. Em casa, no lar, no bar, na avenida, na praça, no mercado, na fila do Banco. Naqueles rincões em que a metafísica dialoga com a fé, e a fé suspende o anseio das verdades primordiais.

Advogado aposentado, senhor de muitas lides forenses vitoriosas; pesquisador da história da Paraíba, em especial, dos traumas de 30 (João Pessoa é um de seus personagens emblemáticos). Escreveu livros sobre isto, sempre com ardor e paixão.

Autor de romances (prefaciei um deles, “Delirium Tremens”, narrativa autobiográfica que enfrenta, num realismo sem concessões, o tema do alcoolismo).

Nutre interesse e amor pela alquimia. A astrofísica é ciência que conhece como poucos. Fala das estrelas como se fossem meninas que tivesse conhecido na praia. Dos signos do Zodíaco, sabe do A, do  B, do Z, e outras letras mais que se perdem no idioma das esferas.

Gosto muito de Caitano. Sua voz já me acalmou tantas vezes nos meus surtos repetitivos de agonia e dilaceramento. Sinto que, não raro, lhe dou trabalho. Tenho sempre dado muito trabalho aos que me amam.

Não é um homem estranho. É simples, alegre, comum, casado, tributável. Passou maus bocados e tem a dolorosa experiência de ter enterrado um filho. Jovem. Sensível. Inteligente. Lindo na sua anônima utopia de artista do palco. Lembro dele como lembro de um pequenino cálice de esperança.

Imagino que quem passa por isto, isto é, perder um filho, já passou além do Bojador. Amor é ferida que dói e não sente! E viva eu cá na terra sempre triste!

Se você, que me lê esta Letra Lúdica, não sabe o que é paz, paciência, tolerância, generosidade, sabedoria, se aproxime de Caitano.

Caitano é um oceano de bondade. Caitano não tem medo das coisas naturais. Gosta de limão, de melancia, de viajar, de rir; gosta ainda mais de Maria, Maria que lhe deu Maria Maria Victoria, safira última de sua coleção de preciosidades.

Com ele já aprendi tanta coisa!

Por exemplo, que amizade é um topázio que carece de polimento. Que os astros se digladiam na noite cósmica. Que a praia de Lucena alberga o fim do mundo. Que, no fim do mundo, tudo recomeça outra vez Que a vista do porto de cabelo é um poema que nenhum poeta escreveu. Que filhos e filhas trazem, para nós, o perdão das águas, as águas do milagre que se prolonga. Que beber é bom, inadiável, necessário (o mundo dança sob a líquida influência do álcool, o álcool também possui seus nacos de sabedoria.). Que, na Igreja da Guia, Deus pousa, todo domingo, com sua aeronave de anjos celestiais, para inaugurar um novo mundo. Que no malte está a alfazema; que, na alfazema, reside a carência do corpo; que, no corpo, habita toda a razão. Que a razão não me serve, se tenho, à disposição, mais uma dose de uísque.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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