João Pessoa, 08 de outubro de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Hildeberto Barbosa Filho
Afeito às atividades de gestão no setor público, portanto, habituado ao árido ofício de funções burocráticas, Rui Leitão não tem descurado de seus interesses cognitivos e, sobretudo, da prática jornalística, através de um articulismo dos mais coerentes e elucidativos, em especial, no que concerne ao campo político e ideológico. Filho do saudoso historiador e acadêmico Deusdedit de Vasconcelos Leitão, como que herdou do pai a paixão pelos temas históricos, de que resultou certamente o livro 1968, o grito de uma geração (2013), no qual rastreia, dia a dia, o ano emblemático que, segundo Zuenir Ventura, em obra indispensável, ainda não terminou.
Tendo como cenário a Paraíba, Rui Leitão traz à tona, de janeiro a dezembro, fatos, episódios, ocorrências, situações e personagens do universo político e cultural que configuram aqueles anos de sufoco e repressão. Rico em dados e em informações, a obra possui espírito didático e descritivo, o que confirma as palavras do jornalista Paulo Santos, apostas na contracapa, nestes termos: “Rui não julga, não batiza, nem sepulta. Sua ideia não foi ser magistrado ao rever o passado, nem sacerdote para encomendar a eternidade a quem quer que seja. Seu ato é apenas de um garimpeiro que foi em busca de preciosidades que poderiam ficar encobertas pela insensibilidade”. De fato. Não há nenhuma pretensão de Rui Leitão em se posicionar como um historiador de ofício, como um juiz cerceado pela viseira dogmática do maniqueísmo. Nele preexiste provavelmente a figura do jornalista, principalmente do articulista atento às nuances temáticas que o cotidiano oferece e que, pelo senso de observação e pelo lance intuitivo, se transformam em breves reflexões que tendem a estimular o olhar crítico do leitor. Na sequência, o autor publica os seguintes livros, todos, no meu entender, de feição jornalística, fruto, decerto, de suas pesquisas empíricas e de sua constante e persistente colaboração nos periódicos locais. São eles: A essência da sabedoria popular e Canções que falam por nós, ambos de 2015; Sentimentos, emoções, atitudes (2017); Um olhar interpretativo das canções de Chico (2018) e Revolucionárias (2023).
Lendo, relendo, anotando e sublinhando certas passagens de seus textos, sempre me deparo com a frase precisa, objetiva, adequada de quem possui a técnica e a ciência do estilo jornalístico, do articulista que, em rápidas pinceladas, sabe equacionar o foco principal dos assuntos e motivos de que fala. A introdução, o desenvolvimento, a conclusão, tudo se expõe dentro da lógica silogística, com coesão e coerência, na corporificação conceitual das ideias e dos argumentos. Não o diria um cronista no sentido rigoroso da palavra, uma vez que, me parece, falta-lhe o calor poético no arranjo dos vocábulos, quase sempre validados pela energia persuasiva e pragmática que os modulam no tecido textual. Rui Leitão é, sem dúvida, o articulista por excelência. E insisto, sobremaneira, o articulista político, costurador de boas ideias e sempre na defesa das boas políticas públicas e sociais. Não faz, como foi hábito de tantos que militaram nessa área, de sua redação apenas um fabulário medíocre acerca das fofocas da cozinha do palácio. Seus títulos já enunciam o leque variado de abordagens que intenta. Motivações peculiares à condição humana, tais como a alegria, a gratidão, a ironia, a solidão, a culpa, o ódio, o luto, o lazer, entre muitas outras, aparecem, em profusão, nas páginas de Sentimentos, emoções e atitudes, revelando o jornalista que se insinua, com leveza e argúcia, nas zonas minadas da filosofia e das ciências sociais, particularmente da psicologia. Óbvio, tudo pelo viés fino e tarimbado do jornalista.
A música popular brasileira é um dos tópicos de sua eleição. Ensaia, no livro sobre as canções de Chico Buarque, a que prefaciei, pequenos exercícios de análise e exegese das letras, em certo sentido contribuindo para sua melhor compreensão semântica e, ao mesmo tempo, como que incitando o leitor a procurar e a ouvir aquelas de seu gosto pessoal, conforme afirmo no arremate do referido prefácio, com estas palavras: “(…) a obra parece nos fazer, curiosamente, uma espécie de convite para revermos, ao pé da caixa de som, a presença inconfundível de Chico Buarque de Holanda, cantando, como só ele sabe cantar, as suas belas e inesquecíveis canções”.
Às mulheres presta uma singela homenagem a partir de seus artigos em A União, reunidos no livro Revolucionárias. Com prefácio da historiadora Lúcia Guerra e apresentação de Nadja Claudino, Rui Leitão traça breves perfis de personalidades femininas de destaque, sobretudo, no que toca às suas trajetórias, não diria revolucionárias, mas rebeldes, uma vez que o termo “revolucionário”, diferente de “rebelde”, pressupõe uma práxis sistemática de linhagem comportamental, política e ideológica que visa uma ruptura radical com o sistema e a estrutura dominantes na sociedade. Mulheres na arte e na cultura, nas ciências e na educação, na história e na política são elencadas a partir de um amplo espectro cronológico e geográfico, unidas, no entanto, por essa característica comum de mulheres singulares no seu modo de ser, quer pelo exemplo legado, quer pela expressão cultural, artística, educativa, histórica, política e social. De Amelinha Theorga, passando por Anayde Beiriz, Cora Carolina, Anna Nery, Alzira Soriano até Pagu, Violeta Formiga e Zabé da Loca, entre tantas outras, Rui Leitão como que escreve um pequeno, porém rico e proveitoso compêndio, sobre a presença da mulher na história.
* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB
DIZ MP - 06/10/2025