João Pessoa, 24 de setembro de 2025 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Lúcio Lins era louco por ele. Tinha suas palavras como referência, se o assunto fosse poesia, e o visitava, aqui e ali, para lhe mostrar os originais de seus poemas, ouvir seus comentários e aproveitar uma que outra sugestão crítica.
Eu não o conhecia pessoalmente, embora já o soubesse nome consagrado nas letras da província. Lia seus textos, em especial, os poemas publicados no Correio das Artes, à época da competente editoria de Jurandy Moura.
Vinha de um grupo chamado Sanhauá, que representava, juntamente com o grupo Caravela, os experimentos de vanguarda da poesia práxis e do poema concreto em plagas locais, no afã de atualizar a poesia feita na Paraíba com as linhas de força da poesia brasileira dos anos 60 do século passado.
Quem quiser saber mais acerca das dissensões e das perspectivas deste momento histórico no âmbito da literatura paraibana, vá ao meu Sanhauá: uma ponte para a modernidade (1989), resultado de uma dissertação de mestrado, defendida junto ao programa de pós-graduação em Letras da UFPB, sob a orientação do professor Neroaldo Pontes de Azevedo, e que teve, como examinadores, os doutores João Batista de Brito e Vilson Bruner Muller.
Na universidade nos aproximamos. Achei-o parecido com a foto de Graça Aranha e lhe disse minha impressão. Apenas sorriu… Com o saudoso Lúcio Lins, amigo de todas as horas e de todas as circunstâncias, fui muitas vezes à sua casa para discutir a permanente pauta da literatura em todos os níveis.
À época, já era editor do velho suplemento literário de A União, e eu o ajudava como membro do Conselho Editorial. Editor, imprimiu novos rumos editoriais, sobretudo, no que concerne às relações entre a universidade e o velho órgão de cultura. Abriu mais espaço para as artes plásticas e para o ensaísmo fotográfico. Privilegiou as entrevistas com intelectuais e poetas, iniciou a série dos números monográficos na abordagem de temas essenciais, a exemplo, entre outros, do modernismo, Augusto dos Anjos, regionalismo, modernidade e poesia paraibana hoje.
Editor aberto não somente à produção literária dos autores locais, porém, antenado com os caminhos da literatura brasileira contemporânea, fez do Correio das Artes um suplemento de maior visibilidade. Tanto é que, nos anos 80, este veio a ganhar o prêmio de melhor divulgação cultural do país, conferido pela APCA, Associação Paulista dos Críticos de Arte.
Já é tempo. Estou falando do poeta Sérgio de Castro Pinto, nome que, a me valer da tipologia de Pedro Lyra, em sua antologia dos anos 60, Sincretismo, da qual o poeta paraibano faz parte, integra a geração canônica, em legítima plenitude, isto é, uma geração que, além de reconhecida e consolidada, já é tida como modelar e referencial na cena literária da Paraíba.
Sérgio de Castro Pinto, na altura de seus 78 anos, fez por onde. Reúne, em sua estatura literária, os elementos da vocação e do talento, fundidos numa prática e numa dedicação ao sortilégio da expressão estética diuturnamente. Quer como criador, quer como leitor. Uma categoria se misturando com a outra, uma motivação alimentando a outra, um interesse a outro servindo, no exercício cotidiano de lutar com as palavras. De sondá-las na sua disposição enigmática e na gratuidade de sua oferta.
Sua família é aquela da genética mesclada, poeta-crítico, crítico-poeta. Da linhagem ancestral e nobre de um Dante, de um Baudelaire, de um Pessoa, de um Borges, de um Bandeira, de um Cabral. Todos, exemplos vívidos de quem navega bem nos dois mares. No mar de sua própria criação e no mar da criação alheia.
Sua poesia o acompanha desde muito jovem, quando publicou, com apenas 20 anos, pelas edições Sanhauá, o livro Gestos lúcidos, em 1967, em edição mimeografada, com capa de Euler, diagramação de Marcos dos Anjos e xilogravura de Francisco Pontes. Deste livro de estreia, consta um de seus poemas mais célebres, “lampião visto de dentro’, lido e apreciado, com louvor, pelo crítico paranaense Temístocles Linhares, em seus Diálogos sobre a poesia brasileira, de 1976.
Lúcio Lins era louco por ele e amava a sua poesia. Aprendi com o querido amigo, autor de Perdido astrolábios, a admirar Sérgio de Castro Pinto. Seu nome, sua presença, seu exemplo devem ser enaltecidos no cenário da poesia e da literatura dos paraibanos. Seu lirismo convoca a nós, leitores, para uma aventura singular nas cercanias da palavra. Sobretudo porque a palavra, nos seus poemas, garante a existência milimétrica e miraculosa da grande poesia.
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NA ONU - 23/09/2025