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Hildeberto Barbosa Filho
Raniery Abrantes é um poeta declamador, focado, sobretudo, na substância musical da palavra e visceralmente comprometido com a tradição oral e popular do cancioneiro nordestino. Cordelista como tantos, faz das formas fixas, quadras, sextilhas, décimas, sonetos e outros modelos, o dínamo de sua expressão verbal e o condutor vocabular de suas emoções, sentimentos, percepções, evocações, lembranças e motivos poéticos.
Mais que a página do impresso, parece pesar, em sua performance lírica, a vocalidade do poema recitado nos ambientes públicos, em especial, quando divide a cena com outras vozes e outros instrumentos que compõem o palco discursivo.
Some-se a isso o conjunto de operadores retóricos da camada acústica dos textos, a exemplo, das rimas, dos ecos, das assonâncias, dos paralelismos, das onomatopeias, para se ter, definida, a coreografia poética constituída, tudo leva a crer, mais para o ritmo da escuta do que para a solidão da leitura silenciosa.
Em Poemas, coletânea que se segue a tantos títulos de cordel já publicados, exercita uma série de décimas em redondilha maior, isto é, versos de sete sílabas, para dar vazão a suas inquietações existenciais, formulando-as dentro da tradição do verso metrificado, cuja técnica domina e explora na organização interna de seus materiais expressivos.
Raniery Abrantes não é um poeta da pesquisa estética, naquilo que ela exige de rigor e crítica no confronto entre a novidade formal e a tradição. Não é um inventor de novos procedimentos prosódicos ou fonéticos. Não procura o impacto das metáforas visionárias nem o brilho hermético de certas configurações idiomáticas. Ao seu olhar poético, passa ao largo o nutriente racional e construtivista, crítico e desestruturador da linhagem moderna.
A ele, importa o fluxo confessional dos paradigmas românticos, o selo seguro da forma pronta, do verso tradicional, da matéria sentimental e evocativa de uma poética voltada principalmente para o sentir, mais do que para o pensar. Uma poética onde a intuição instantânea parece reger a sistematização das palavras no corpo do poema.
Seus motivos, seus temas, seus assuntos desenvolvidos em cada décima, trazem as coisas mais simples e naturais da vida. Elementos concretos da natureza, estados da alma, sondagens metalinguísticas, ambientes, instrumentos, objetos, fenômenos. Tudo dito e cadenciado pelo filtro musical das estrofes isométricas. Ou, noutra clave, repassado pelo singelo comando dos veios da oralidade espontânea.
Por isto mesmo, é preciso compreender e respeitar a presença dessa tradição que ocupa um espaço relevante no território da poesia, em suas múltiplas e essenciais ramificações e desdobramentos. O manancial originário e popular, fruto da criação de muitos bardos iletrados, porém, tocados pelo mistério da poesia, tende, aqui, a se aproximar das esferas eruditas, estabelecendo, assim, um frutífero diálogo entre as diversas vertentes dos ciclos criadores.
Vejo Raniery Abrantes, portanto, como um desses destemidos goliardos que promovem esse encontro. O encontro entre os sinais da tradição e os signos da contemporaneidade. O encontro com a luz e a música das palavras. Sobretudo, considerada a sua disposição para o dizer e o declamar, a sua apaixonada militância trovadoresca, as suas apresentações nos mais variados eventos culturais, a sua persistente e inabalável entrega ao sortilégio da criação poética.
Ele, ao lado de um Melchior Sezefredo Machado, um Gilmar Leite, um Aroldo Camelo de Melo, um Igor Gregório, um Quelyno Souza, entre outros, vem mantendo, com coragem, dignidade e amor, vivo, vívido e saudável, esse recanto ancestral na eterna casa da poesia. Isso me admira. Isso me pede louvação.
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BOLETIM DA REDAÇÃO - 22/07/2025