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Bacharel, Especialista e Mestre em Administração (UFPB/UNP). Mestre Internacional em Comportamento Organizacional e Recursos Humanos (ISMT – Coimbra/Portugal). Especialista em Neurociências e Comportamento (PUC-RS) e em Inovação no Ensino Superior (UNIESP). Membro Imortal da Academia Paraibana de Ciência da Administração (Cadeira 28). Professor universitário (UNIESP), consultor empresarial, palestrante e escritor best-seller da Amazon. E-mail: [email protected]

Ambientes Disfuncionais Levam as Crenças Limitantes

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publicado em 29/07/2025 ás 07h58

Nos corredores dos órgãos públicos, frases repetidas quase como mantras revelam muito mais do que descontentamento passageiro: elas expressam crenças profundas que moldam comportamentos, bloqueiam iniciativas e silenciam talentos. Ao longo dos treinamentos que venho conduzindo com servidores públicos federais, estaduais e municipais, escutei inúmeras dessas afirmações, algumas ditas em tom de brincadeira, outras com uma sinceridade desconcertante. São as chamadas crenças limitantes, ideias internalizadas que impedem a evolução pessoal e coletiva no ambiente de trabalho.

Crenças limitantes não nascem do nada. Muitas vezes, são frutos de experiências frustrantes, de ambientes autoritários ou de uma cultura institucional que desestimula o protagonismo. Quando um servidor diz que “aqui nunca muda nada” ou que “não adianta dar ideia, ninguém valoriza”, não está apenas reclamando: ele está revelando o que acredita ser verdade e essa crença determina seu nível de engajamento, criatividade e cooperação com a equipe.

Durante atividades em grupo, propus que os servidores escrevessem frases que escutam ou pensam com frequência no ambiente de trabalho. A cada nova turma, percebi que surgiam variações de um mesmo padrão: desânimo, isolamento, medo de punição e uma crença profunda de que suas ações não fazem diferença. Em uma lista construída coletivamente, surgiram expressões como: “Quem trabalha muito acaba sobrecarregado”, “Se eu falar o que penso, posso ser punido”, “Capacitação é perda de tempo”, e até “Sou só mais um número dentro do sistema”.

Essas crenças, quando compartilhadas por um grupo, acabam se tornando a base de uma cultura organizacional defensiva, onde o medo fala mais alto que o compromisso, e o conformismo silencia a inovação. A consequência direta é um ambiente de trabalho fragmentado, onde cada um tenta sobreviver como pode, sem enxergar o propósito coletivo da sua função. A frase “aqui é cada um por si” deixa de ser exagero e se torna retrato.

Mas o que essas frases revelam também é o quanto os servidores desejam ser ouvidos, reconhecidos e respeitados. O problema não está no servidor em si, mas na maneira como suas experiências foram sendo interpretadas e repetidas até virarem verdades absolutas. Quando alguém acredita que “quem questiona demais acaba isolado”, deixa de contribuir com opiniões valiosas. Quando acredita que “a chefia só escuta quem puxa saco”, desiste de dialogar. E quando pensa que “salário-mínimo, esforço mínimo”, renuncia ao brilho que ainda carrega.

Crenças não mudam por decreto. Elas mudam quando alguém tem uma experiência diferente daquilo que acreditava. E é aí que o papel da liderança, da escuta ativa e de treinamentos bem conduzidos faz toda a diferença. Criar espaços de confiança, onde o servidor possa falar sem medo, onde suas ideias sejam levadas a sério, é o primeiro passo para que ele reveja suas convicções limitantes.

É também essencial reconhecer que essas crenças não são apenas individuais, mas sistêmicas. Elas se reforçam nas práticas institucionais, nos discursos automáticos, nas decisões políticas e até nos rituais do dia a dia. Mudar isso exige mais do que palavras motivacionais, exige coerência, valorização real, feedbacks construtivos e oportunidades concretas de participação.

Muitos dos servidores com quem trabalhei saíram dos encontros mais conscientes de seus próprios pensamentos. Alguns perceberam que estavam reproduzindo frases que ouviram de antigos colegas, outros entenderam que tinham parado de propor melhorias por medo ou cansaço. O ponto de virada acontece quando o servidor entende que, mesmo dentro das limitações do sistema, ele ainda tem escolha: sobre como pensar, agir e se relacionar.

Mudar uma crença não é apagar o passado, mas dar ao presente uma nova direção. Quando um servidor começa a acreditar que sua voz importa, que sua função tem propósito e que é possível melhorar, mesmo que aos poucos, ele deixa de ser apenas um número no sistema e passa a ser um agente de mudança. A transformação começa quando trocamos a pergunta “por que isso nunca muda?” por “o que posso fazer, apesar disso?”.

A boa notícia é que, em cada grupo que encontro, sempre há aqueles dispostos a dar o primeiro passo. E isso é tudo que precisamos para começar a romper o ciclo. Porque no fim das contas, o que te trava não é o sistema. É o que você acredita sobre ele. E isso, felizmente, pode ser reprogramado.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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